O direito mais importante

O direito mais importante

sábado, 28 de agosto de 2010

O direito de acesso do candidato ao horário eleitoral

Uma questão bastante interessante diz com a situação do candidato por determinado partido ou coligação que não tenha acesso aos programas de rádio e televisão. A matéria vem tratada no artigo 47, da Resolução TSE n. 23191/09, e que preceitua que a divisão do tempo no horário eleitoral será feita pelo partido político.
Por primeiro, imprescindível consignar que aos partidos políticos é conferida autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento, ex vi do disposto nas normas do artigo 17, § 1º da Constituição Federal.
Nessa linha, e transportadas essas ideias para o processo eleitoral, que é o que aqui interessa, é bem de ver que a interpretação mais adequada diz com a consideração desse mesmo processo eleitoral como a formalização de procedimento estabelecidos e que objetivam formatar, tanto quanto possível de forma equânime, a competição pelo poder político, vale dizer, é a essência da própria política.
Considerar-se adequada essa premissa implica a necessária reflexão traduzida em que o Estado não pode intervir nas decisões tomadas pelos partidos políticos e que se refiram ao processo político enquanto tal, i.e., materialmente, hipótese aqui representada pela decisão que privilegie o aparecimento de tal ou qual candidato em programa de televisão, pois que nessa situação o que o partido político está a fazer é um mero cálculo político, despido de qualquer violação a direito fundamental, v.g., conferir maior visibilidade a candidato que possa obter mais votos.
Assim, o mero candidato não possui direito subjetivo a aparecer em programa de televisão e falar no de rádio, mas sim expectativa de direito, especialmente no que toca a decisão do tipo em que aqui tratada. Esse destaque se faz por causa da compreensão pretoriana do E. Supremo Tribunal Federal que intervém em processo tramitado na política, v.g., composição de CPI, para corrigir eventual violação a direito fundamental de caráter individual, mais comumente, de natureza formal e representado pelo direito de defesa ou de igualdade paritária na composição das comissões.
O E. Tribunal Superior Eleitoral, pela lavra do Ministro Néri da Silveira, em resposta à Consulta de n. 449, julgado em 19.5.1998, entendeu, por unanimidade, em dela não conhecer, pois que somente aos partidos e coligações cabe a distribuição do horário gratuito eleitoral entre os candidatos registrados, nos termos do artigo 27, da Resolução do TSE n. 20.106, de 09.03.1998, compreensão essa que pode ser considerada atual, tendo em vista o que dispõe a norma do artigo 47, da Resolução do TSE n. 23191/09, que preceitua: Competirá aos partidos políticos e às coligações distribuir entre os candidatos registrados os horários que lhe forem destinados pela Justiça Eleitoral.
Suposta violação a essa norma, na argumentação qualquer candidato, como fundamento de hipotético pedido, em realidade, e pelo que vem de ser escrito, não resta configurada, pois que, nos limites traçados pela norma de regência, a discricionariedade do partido político se impõe. Pensar o contrário seria, data vênia, admitir a absurda hipótese de que todos os candidatos registrados por determinado partido político teriam o direito subjetivo de acesso ao horário eleitoral gratuito, comprometendo-se, num verdadeiro caminho sem volta, a própria força do partido político para competir no processo eleitoral e o seu sucesso na conquista do poder.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

As escolas de pensamento sobre os direitos humanos

Em um interessante artigo cujo título é What are human rights? Four schools of thought –O que são direitos humanos? Quatro escolas de pensamento (Human Rights Quarterly, v. 32, n. 1, February 2010, pp. 1-20)–, Marie-Bénédicte Dembour faz uma descrição do que ela observa como sendo escolas de pensamento existentes sobre os direitos humanos. São elas: a) escola natural; b) escola deliberativa; c) escola de protesto; d) escola discursiva. Para cada escola vai variar a compreensão que se tem dos direitos humanos. A escola natural, por exemplo, os concebe como um dado baseado na Natureza, em Deus, no Universo ou na Razão; a deliberativa os concebe como um acordo sobre eles, que de sua vez são baseados em um consenso sobre como a política deveria funcionar; a de protesto os concebe como uma luta por eles e baseados na tradição das lutas sociais e a discursiva os concebe como objeto de uma conversa sobre determinado tema e baseados na linguagem. De forma resumida essa é a descrição proposta pela autora.
Esse artigo pode servir de base a algumas reflexões valiosas a respeito dos direitos fundamentais, embora se refira aos direitos humanos. Como é sabido, a teoria se encarregou de distinguir entre direitos humanos e direitos fundamentais: aqueles seriam um conceito ligado à política, enquanto estes seriam um conceito ligado ao direito. Sem embargo da utilidade dessa distinção, importa, aqui, pensar em que a descrição proposta e referente às escolas de pensamento que serviriam de fundamento à existência dos direitos humanos pode produzir conseqüências na reflexão levada a cabo com relação aos direitos fundamentais.
A tese aqui assumida é a de que todas as quatro escolas de pensamento que tratam dos direitos humanos se manifestam na teoria dos direitos fundamentais, tomada esta na conta de descrição da doutrina e da própria norma constitucional positivada.
No que diz com a escola natural, segundo a qual os direitos humanos existem porque os seres humanos possuem direitos humanos só por serem seres humanos pode encontrar justificativa constitucional na inclusão de todos operada pelo sistema jurídico e, mais precisamente, pela Constituição, pois que defere, a todos os indivíduos e grupos, direitos fundamentais, ainda que essa idéia implique a existência simultânea de restrições. E ao menos ao nível positivo essa inclusão é universal, mesmo, reforça-se, com a manifestação de restrições.
Com referência à escola deliberativa, parece ser mesmo da essência da transformação dos direitos humanos em direitos fundamentais a sua presença, pois que o processo de positivação de uma idéia política representada por um direito humano é levado a efeito pela política, daí decorrendo o direito fundamental já positivado. Esse como que mágico toque da política em um direito humano para que se transforme em um direito fundamental é feito de forma originária ou derivada, naquela pelo poder constituinte que faz uma Constituição, nesta pelo poder constituinte que a reforma. O mesmo raciocínio vale para o poder que cria o ordenamento infraconstitucional, desde que se pense, e se admita, a existência de direito fundamental fora do texto constitucional.
Com relação à escola de protesto, embora negue o caráter universalizante dos direitos humanos, afirmando que o que é universal é o sofrimento, também ela se faz presente no sistema constitucional dos direitos fundamentais, pois que, se se observar os direitos fundamentais como um trabalho em progresso, pode-se concluir que outros direitos fundamentais podem ser positivados no ordenamento jurídico pela política, v.g., direito social à moradia e à segurança alimentar, artigo 6º, da Constituição Federal. O fato de que essa escola considera o sofrimento como universal em nada invalida o que aqui articulado, pois um fértil exercício de conceituação do próprio direito fundamental é aquele realizado pela análise de seu contrário: bem estar/sofrimento, igualdade/desigualdade, liberdade/coerção. No limite bem é de se argumentar que se não houvesse violação a direito fundamental não haveria, do mesmo modo, o menor sentido em se estudá-lo, pois que então viver-se-ia no melhor dos mundos constitucionais possíveis, idealização que nega a própria realidade, esta que, nessa percepção pode ser confundida com desejo.
Por fim, a escola discursiva, que afirma consistirem os direitos humanos em qualquer coisa que se inserir neles, e por isso são eles alguma coisa falha. Essa escola nega a própria realidade, esta que vem sendo construída há pouco tempo histórico e que apresenta um alto grau de institucionalização representada por práticas e decisões que promovem e protegem os direitos fundamentais. Por certo que uma dose de ceticismo sempre é útil à sociedade, e parece mesmo que essa escola existe para chamar a atenção para as deficiências estruturais que podem comprometer política e direito dos direitos humanos fundamentais. Contudo, uma pitada de razão acena em direção a essa escola, especificamente naquilo que se relaciona com a produção de uma certa legislação simbólica, como se a positivação de um direito humano em direito fundamental pudesse resolver os problemas gerados pela e na ordem social, v.g., positivar direito social ao lazer, trivializando-se um conceito que deveria ser, em essência, não banal, e mais, atribuindo-se a sua solução ao sistema jurídico, esquecendo-se do político e do econômico. Nesse particular a cética crítica parece ter procedência.
O que vem de ser escrito pode, tranquilamente, influenciar a discussão sobre o conceito de direitos fundamentais, pois, na proposta aqui desenhada, todas essas escolas se manifestam no sistema constitucional dos direitos fundamentais. A conclusão, por óbvio, vai depender do observador. É isso. Sapere Aude!

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

O direito eleitoral e a igualdade

A legislação, se com referência à liberdade de expressão se mostra bastante restritiva, com relação à igualdade apresenta regras protetoras dela, seja sob a forma de igualdade formal, seja sob a material. Nesse sentido são as regras que proíbem a utilização do tempo de propaganda no rádio e na televisão destinado às candidaturas proporcionais pela candidatura majoritária e vice-versa.
Na doutrina autorizada tem-se que “não é permitida a invasão de horário, entendendo-se como tal a inclusão no horário destinado a candidatura proporcional, de propaganda de candidato majoritário e vice-versa”. [...] Também é proibida ‘a utilização da propaganda de candidaturas proporcionais como propaganda de candidaturas majoritárias e vice-versa’” , exatamente como dispõe o art. 53-A, § 2o, da Lei de Eleições, positivado, também, no artigo 43, § 2o, da Resolução n. 23.191/09, do E. TSE. “Cada qual deve se limitar ao espaço que lhe é reservado, de sorte que não haja desvirtuamento da natureza da propaganda a ser realizada, prevenindo-se, assim, o desequilíbrio do pleito”, como pontua o eminente Procurador Regional Eleitoral em Minas Gerais JOSÉ JAIRO GOMES.
De antemão, é oportuno, nesse aspecto, assinalar que propaganda negativa e invasão de horário/espaço são questões autônomas e distintas. Aquela, na visão deste autor, é permitida, pois, como demonstrado em manifestações anteriores, a crítica deve ser protegida, com muito maior peso na esfera política, porque é nesse campo que se efetiva a própria democracia, a manifestação e o debate das ideias, e estas, ainda que sejam ruins, devem ser combatidas não com a pura e simples proibição de sua veiculação, mas sim com a liberdade de se emitir ideias mais adequadas.
A ratio essendi das normas positivadas tanto na Lei de Eleições, quanto na Resolução regulamentadora, diplomas supracitados, se traduz na concretização, na esfera político-eleitoral, do direito de igualdade, seja ele formal ou material. Essa afirmação encontra justificação constitucional no preceituado pelas normas do artigo 5o, “caput”, da Constituição Federal, que tem o poder de criar verdadeira cláusula geral de igualdade, o que significa dizer: a) o direito de igualdade se refere, de forma geral, a todos os indivíduos e grupos; b) vincula o legislador e o aplicador da norma jurídica.
Nessa linha de raciocínio, que se considera, constitucionalmente e de forma geral refletindo, a mais adequada, a igualdade formal, na esfera política, se manifesta, por exemplo, pelo disposto nas normas dos artigos 57, § 5o e 58, §§ 1o e 4o, da Constituição Federal, e a igualdade material, de sua vez, pelo disposto nas normas do artigo 17, “caput”, do mesmo texto, quando determina o respeito, pelos partidos políticos, aos direitos fundamentais, dos quais, ça va sans dire, o de igualdade é espécie.
Num exercício de reflexão mais específico, a igualdade formal se manifesta no puro e simples estabelecimento de regras formais que tenham por finalidade impedir que o processo eleitoral se transforme em um anything goes, em um vale tudo, e a igualdade material no proporcionar a igualdade de chances aos competidores que se lancem no processo eleitoral respectivo. Essas, portanto, as razões fundadoras das normas dos artigos 53-A e § 2o, da Lei de Eleições e 43, § 2o, da Resolução n. 23.191, do E. TSE.
Na interpretação que deve ser feita com relação à norma em foco, extrai-se que seu sentido diz com a proibição do uso do tempo destinado às candidaturas proporcionais, de forma indireta ou mediata, pelo candidato majoritário.
Diz-se desse tipo de conduta que ele é indireto ou mediato porque, ao que parece, a norma do artigo 43, § 2o, em questão, protege a igualdade de chances dos candidatos pela proibição de uma utilização do tempo destinado ao candidato proporcional, pelo candidato majoritário, quando ocorrer a hipótese retratada nestes autos, qual seja, aquela em que o candidato majoritário não aparece, diretamente, e faz a sua propaganda, hipótese essa prevista no artigo 43, “caput”, da mesma Resolução.
Atribua-se o nome que se queira a essa prática, “vacina”, em realidade o que se pretende proibir é a ocupação indevida do tempo que ocorre de forma indireta ou mediata, o que acaba por dificultar, ainda mais, o estabelecimento da linha divisória entre campanha irregular e regular.
Nessa linha pode se configurar a burla à lei mensagem veiculada em tempo destinado à candidatura proporcional e que tenha por destinatário, direta ou indiretamente, candidatura majoritária, sem que haja qualquer menção às atribuições inerentes ao mandato político de legislador estadual e às propostas inerentes ao exercício de tão nobre ofício.
Em realidade, além de a lei proteger o direito de igualdade, acaba por prestigiar a própria composição, feita em período anterior à campanha, dos partidos políticos e referente à aliança entre eles, esta que vai determinar o tempo destinado a cada uma das coligações, e como num raciocínio circular, estas também devem, por força do disposto no artigo 17, “caput”, da Constituição Federal, respeitar os direitos fundamentais, aí incluídos, por certo, os de igualdade.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Liberdades e igualdades

Uma compreensão adequada do tema das liberdades e das igualdades pode ser obtida se se considerá-lo como um sistema constitucional, tendo-se, assim: a) o sistema constitucional das liberdades e b) o sistema constitucional das igualdades. Apesar de se apresentarem separadamente, são unidos por íntima e lídima relação de dependência, i.e., para que um exista o outro também deve existir. O que significa que a liberdade, para se manifestar, depende da igualdade. Pense-se no famoso caso de uma cidadã paulistana cega que foi impedida de utilizar o serviço de metrô com seu cão guia, pois não era admitida a entrada de cães. Medida judicial tomada foi obtida decisão que permitia a ela usar o meio de transporte público com seu cão guia. Esse caso demonstra que, imediatamente, tratou-se do direito de liberdade sem predominância econômica, representado pela liberdade de locomoção, de ir e vir, cuja medida restritiva impedia sua concretização, e mediatamente tratou-se do direito de igualdade, seja pela perspectiva da igualdade material, pela qual os indivíduos ou grupos que ocupam posição de desvantagem na sociedade devem ser protegidos por decisões que promovam seus direitos, seja pela perspectiva da igualdade diferenciadora, esta que é representada pela expressão “iguais, mas diferentes”, e não “iguais, mas separados”, significando não uma homogeneização da sociedade no sentido de que todos sejam iguais, mas sim que mesmo aos diferentes os direitos de igualdade estão disponíveis. Para tema complexo, abordagem complexa.
Tanto as liberdades quanto as igualdades podem – e devem!!! – ser descritas pelos seus contrários, i.e., se do que se trata é de suposta violação a esses direitos fundamentais, desde que se pense que não se vive no melhor dos mundos constitucionais: igualdade pela desigualdade e liberdade pela não liberdade. Daí a necessidade de se lançar mão de métodos ou critérios para que eventual violação a esses direitos fundamentais seja aferida como constitucional ou não. Nesse quadro destacam-se dois métodos de resolução dos conflitos: a) o já clássico proposto por Celso Antonio Bandeira de Mello e segundo o qual há de se analisar o elemento discrímen, a finalidade da discriminação e a relação de justificação lógica que deve existir entre os dois; b) a máxima da proporcionalidade.
O primeiro método pode se referir aos casos que envolvam a igualdade formal, como sói acontecer com as contestações aos critérios estabelecidos para concursos públicos: sexo, idade, altura, estes que, dependendo da resposta que se dê ao tratamento diferenciado, podem ser considerados constitucionais ou não.
O segundo método é a máxima da proporcionalidade e os seus três testes, quais sejam, a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. Este método é mais completo do que o primeiro e pode-se mesmo considerar que o primeiro esteja compreendido, em sua inteireza, neste segundo, pois o teste da adequação parece indicar que se trata da mesma coisa. Este segundo pode ser mais indicado para os casos envolvendo igualdade material e igualdade diferenciadora, sendo de se destacar, contudo, que mesmo a aplicação desta máxima da proporcionalidade, com todos os seus parâmetros, ainda deixa um campo muito amplo à discricionariedade e ao arbítrio do juiz. O problema, por certo, não se encontra na formulação da máxima, mas sim na estrutura normativa do direito de que se trata, em geral, direito social. O tema acresce em complexidade se se pensar em que, quando se está a tratar de interpretação de direito fundamental, a finalidade (ou, para aqueles que preferirem, a função) deve se sobrepor à estrutura: não se trata mais, então, de se perscrutar a respeito de como é feita a norma constitucional do direito à educação, mas sim de analisar qual a sua finalidade. É isso. Sapere Aude! Paulo Thadeu.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

O direito eleitoral e a liberdade de expressão

A legislação (Resolução n. 23.191/TSE) e a prática do direito eleitoral (Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 26.721/TSE-propaganda com crítica negativa), neste ano de eleições, têm demonstrado a criação de importante tensão entre uma práxis restritiva a direito fundamental e o direito fundamental restringido, qual seja, a liberdade de expressão. Dentre outras restrições, chama a atenção aquela que estaria a proibir propaganda representada pela crítica negativa, aí incluídos, por extensão, programas de humor que possam ridicularizar os candidatos. A intenção, aqui, é contribuir para o debate público norteado pelo livre mercado das ideias e com essa finalidade deve-se analisar se o direito de crítica negativa se insere no âmbito de proteção do direito fundamental de liberdade de expressão.
O direito fundamental de liberdade de expressão vem positivado na norma do artigo 5o, IV, da Constituição Federal, segundo a qual é livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato, norma essa que deve ser, compulsoriamente, interpretada com o disposto no artigo 5o, IX, do mesmo texto, pelo qual é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. Por certo que não há direito fundamental de índole absoluta, tendo em vista a possibilidade de restrição a qualquer direito fundamental prevista na Constituição Federal e no ordenamento infraconstitucional.
As mensagens objeto da restrição legal podem ser ou não de natureza eleitoral: no primeiro caso quando se referirem à vida política do candidato, no segundo quando se referirem à sua vida privada. Neste passo, é suficiente argumentar que pessoas públicas possuem uma esfera de sua privacidade diminuída em relação às pessoas, por assim dizer, não públicas. Daí, por si só, a justificativa a que a própria pessoa sofra as consequências dessa exposição pública. É o preço que se paga por se viver numa sociedade democrática.
Essas consequências devem tanto mais ser suportadas pela pessoa pública quanto mais se pense em que é essa mesma exposição pública que reforça o nome do candidato na esfera política. De mais a mais, frases de nítido conteúdo ridicularizador não são atentatórias a qualquer aspecto da vida do candidato, e podem, inclusive, entrar para o anedotário político do local [aqui é importante destacar que a utilização do chiste como forma de expressar o pensamento pode ser pensada como liberação pacífica da própria agressividade, o que torna a convivência social muito mais saudável que a liberação por meios violentos, cfr. Joel Schwartz, Freud and Freedom of Speech, The American Political Science Review, v. 80, n. 4 (Dec. 1986), pp. 1227-1248].
Nesse particular aspecto, bem é de se ver que mesmo no caso de veiculação de mensagens que ridicularizem uma pessoa pública, a liberdade de expressão deve ser respeitada, e isso porque, a uma o que se está a fazer é emitir juízos de valor ou de desvalor com relação à esfera privada/pública da pessoa, o que, só por si, descaracteriza a manifestação de eventual interesse público, e a duas porque, se os conteúdos comunicados são de ordem a provocar o riso, sob forma de chiste, não são eles aptos a convencer quem quer que seja de que são verdadeiros, tamanho o absurdo do próprio conteúdo transmitido [ver, nesse sentido, o famoso julgamento da Suprema Corte norte-americana, Hustler Magazine v. Falwell, 485 US 46, 1988].
Indo-se mais além, é de se destacar que a crítica pode ser produzida em um contexto eleitoral, pois que se está a viver período em que as regulares eleições serão realizadas. Aqui é importante analisar se a crítica tem algum potencial para desconstruir a candidatura proposta: em caso negativo, vale o direito fundamental em sua plenitude. Sem embargo de não terem potencial de desconstrução da candidatura do representante, as mensagens podem ser tidas como de caráter político, como uma espécie de cobrança, por parte de cidadãos, a uma pessoa que se propõe a representá-los.
No contexto particular da política a liberdade de expressão é, sim, absoluta [nesse sentido, ver Alexander Meiklejohn, The first amendment is an absolute, in Vikram David Amar (ed.), The first amendment, Prometheus Books, New York, 2009, pp. 125-140], desde que se pense, por exemplo, nas factíveis situações expressas no direito de voto, no qual o cidadão se encontra apenas com a sua consciência no momento de votar, e na imunidade material dos parlamentares, ambas expressas nas normas dos artigos 14, “caput”, e 53, da Constituição Federal. E causa espécie, portanto, que haja legislação e interpretação restritivas exatamente no campo da política no qual deveria haver a mais ampla possibilidade de se fazer discursos, seja porque esse direito signifique autorrealização dos indivíduos, seja porque signifique participação na tomada de decisões essenciais para as suas vidas [cfr. Thomas I. Emerson, The System of Freedom of Expression, Vintage Books, New York, 1970]. O mesmo raciocínio se aplica às situações em que há o exercício do direito de crítica, ainda que seja ela em tom inapropriado ou em tom de picardia.
É que a tal categoria da crítica negativa é exemplo cabal de redundância que cheira à censura, pois que toda crítica traz consigo um potencial de desacordo, ainda que moral, que vai de encontro à possibilidade de se qualificar como sendo crítica positiva. Portanto, se não existe a positiva, não pode existir o seu contrário. Há, sim, apenas a crítica, que deve ser protegida, com muito maior peso na esfera política, porque é nesse campo que se efetiva a própria democracia, a manifestação e o debate das ideias, e estas, ainda que sejam ruins, devem ser combatidas não com a pura e simples proibição de sua veiculação, mas sim com a liberdade de se emitir ideias mais adequadas. É isso. Sapere Aude! Paulo Thadeu.