O direito mais importante

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sábado, 6 de novembro de 2010

Música de Sábado

Lou Reed em São Paulo. A seguir, Dirty Boulevard: http://www.youtube.com/watch?v=31n-8ffVFVg .

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Direito Constitucional e a política atual

A Constituição possui dois conceitos sobre si mesma que são bastante úteis para se fazer uma análise sobre o Direito Constitucional e a política atual. Seja tida, na visão de Canotilho, como o estatuto jurídico do político, seja, na visão de Luhmann, como acoplamento estrutural entre os sistemas jurídico e político, ela, a Constituição, parece existir como algo que mantém as relações entre o jurídico e o político. Daí que decisões jurídico-constitucionais afetem a política e decisões político-constitucionais afetem o jurídico. Esse efeito, a depender do conceito de Constituição que se assuma como o mais adequado, vai ser descrito de forma diferente. Por exemplo, se a Constituição for tomada como o estatuto jurídico do político, o impacto produzido pelo jurídico na política e vice-versa pode ser analisado sob a forma de produção de limites, por exemplo, os limites ao poder do Presidente da República de propor medida provisória; se a Constituição for tomada como o acoplamento estrutural entre os sistemas jurídico e político o impacto produzido por um sistema em outro, aqui já sob a forma de comunicação, será analisado pela capacidade que tanto um quanto outro sistema possui de transformar uma comunicação de um sistema em comunicação de outro sistema, por exemplo, direito da oposição de compor comissão parlamentar de inquérito, no político, é traduzido pelo sistema jurídico como direito da minoria a ser resguardado pela jurisdição constitucional.
É nesse quadro que se pode analisar a situação política atual no Brasil à luz do Direito Constitucional. Percebe-se, atualmente, a instauração de um debate que vai do político ao jurídico e do jurídico ao político. Esse debate pode ser representado, dentre outros exemplos, pela Lei da Ficha Limpa. Nesse caso, a lei foi de iniciativa popular, iniciativa essa considerada, à época da elaboração da Constituição de 1988, de boa técnica legislativa, pois positivava no texto constitucional mecanismo que ao menos tangenciava a ideia de democracia direta, no caso, semi-direta, pois que o projeto deveria, necessariamente, tramitar perante o Poder Legislativo. Nas duas sessões do Supremo Tribunal Federal que julgaram a Lei da Ficha Limpa em recursos extraordinários de políticos envolvidos diretamente com renúncia a mandato, foi afirmado que: a) a soberania popular se encontra na Constituição; b) na democracia constitucional o povo não é soberano. As duas afirmativas se equivalem em significado e querem dizer, com todas as letras, que a soberania popular não vale mais do que a Constituição, vale dizer, suas possíveis formas de realização devem ser manifestadas pelo que preceitua o texto constitucional. Essas afirmações, no contexto em que foram produzidas, soam um pouco exageradas, pois que naqueles julgamentos não se estava a tratar da constitucionalidade da iniciativa popular para propor projeto de lei, mas sim de norma já positivada por obra do Parlamento. Contudo, elas não deixam de ter a virtude de colocar para o debate uma questão política talvez das mais relevantes para o Direito Constitucional: o dilema soberania popular versus democracia constitucional. Essa relação pode ser explicada pelo valor que se deve atribuir a uma forma de poder ou a outra: o que vale mais, a soberania popular ou a democracia constitucional? Se houver a atribuição de um valor maior à soberania popular haverá a possibilidade, ao menos lógico-formal, de que o povo possa revogar a atual Constituição, sob o regime de uma normalidade democrática, e elaborar um texto novo e diferente; se houver a atribuição de um valor maior à democracia constitucional, considerando-se a soberania popular como princípio positivado na Constituição e por isso mesmo como que dependente dela para se manifestar, o que quer dizer, se manifestar de acordo com o que prescreve a própria Constituição, então o máximo em que se pode pensar é na pura e simples alteração do texto constitucional, respeitando-se as limitações já conhecidas ao poder de reforma.
Esse debate assume, também, uma outra vertente, que é aquela inerente ao exercício da democracia direta ou mediante representação política. Aqueles que atribuem um valor maior ou mesmo absoluto à soberania popular encontram razões para justificar a prática de uma democracia direta, já hoje a ser exercida numa ágora virtual, v.g., plebiscitos que podem ser feitos mediante votação por computador; aqueles que atribuem um valor maior ou absoluto à democracia constitucional, esta que não prescinde de manifestações diretas do povo, tais quais, o plebiscito e o referendo, possuem razões para continuar a crer que a melhor forma de organização e exercício do poder político é por meio da eleição de representantes do povo, representação política essa que, geralmente e sem prova empírica, é acusada de viver em crise.
O debate demonstra que a questão é bastante complexa, como costuma acontecer com todos os problemas que devem ser administrados numa sociedade democrática e moderna. O só fato de a discussão existir pode ter dois significados: a) o amadurecimento da democracia brasileira que se permite discutir assunto dessa natureza sem que haja ameaça de ruptura do próprio sistema democrático; b) um retrocesso histórico no processo de consolidação da jovem democracia brasileira à luz da vigente forma de representação indireta existente nas sociedades tidas como mais desenvolvidas ou nas quais a incidência de padrões civilizatórios seja maior.
De minha parte, continuo a acreditar na prevalência da democracia constitucional e a interpretar a soberania popular como positivada nesse grande filtro que é a Constituição, o que leva a afirmar que a sua manifestação deve se pautar pelas normas constitucionais que tratam do tema (ver, nesse sentido, Paulo Thadeu Gomes da Silva, Direitos fundamentais: contribuição para uma teoria geral, Atlas, SP, 2010). É isso. Sapere Aude! Paulo Thadeu.