O direito mais importante

O direito mais importante

sexta-feira, 23 de abril de 2010

A semana e os direitos fundamentais

A semana fica marcada pelo paralelo que se pode fazer entre a troca de presidente no STF e a anunciada aposentadoria do Justice Stevens da Suprema Corte americana. O paralelismo desses eventos se justifica porque, seja na presidência de uma corte suprema, seja na substituição de um de seus membros, muitas consequências são produzidas e, se estamos a falar de jurisdição constitucional, essas consequências se referem, via de regra, aos direitos fundamentais. Com relação ao STF, penso que falta, no Brasil, uma imprensa com poder descritivo maior de crítica, pois, ao contrário do que se lê nas notícias referentes à Suprema Corte americana, nestas terras o que persiste é a manifestação de um espírito conciliador, sem que haja a necessária e direta crítica a respeito do exercício do poder pelas instituições. No caso do STF creio que a presidência do Min. Gilmar Mendes, que está de saída, foi marcada por um conservadorismo típico da formação bacharelística liberal apontada por Sérgio Adorno como uma das causas que contribuíram a que o Estado brasileiro não se despatrimonializasse. Essa postura conservadora se manifesta nas próprias opiniões do Ministro quando se mete a palpitar sobre tudo o que lhe é perguntado, inclusive sobre temas que mais tarde poderiam cair sobre sua mesa para que fossem julgados. Suas opiniões, em geral, tiveram a tônica da preservação, por exemplo, do direito de propriedade e, ao menos no que diz com o julgamento de Raposa Serra do Sol, ficou patente a falta de compreensão total e adequada do tema, seja elencando condicionantes que no meu ponto de vista deveriam ter sido tratadas pela lei, seja lançando interpretações que reputo equivocadas a respeito da matéria, v.g., o marco temporal da Constituição de 1988 como termo a quo para se comprovar eventual posse tradicional: não é posse civil, é o indigenato, Ministro! Essa postura conservadora se refletiu também no afastamento, sob o signo de uma certa discricionariedade, de regras processuais a fim de se conceder liberdade em Habeas Corpus. A análise desta questão, se feita de forma isolada, permite um grande mal entendido, no sentido de que quem critica essa decisão é visto como contrário à efetivação do direito de liberdade. Mas não é bem assim, pois o que se verifica é uma quase que absoluta processualização de questões envolvendo outros direitos fundamentais em detrimento de sua substância, e com relação ao direito de liberdade o que se manifesta é a desconsideração dessa mesma processualização em benefício do direito material. Pensar na não admissão da FUNAI em mandado de segurança que discuta direito indígena porque o instituto não admite a assistência é um exemplo do que vem de ser escrito. Uma outra característica que chama a atenção nos discursos do presidente que sai é a referência ao Estado de Direito, como se essa qualidade fosse ainda vigente. Não mais se trata de Estado de Direito, mas sim de Estado Democrático e Social de Direito, pelo qual não só os direitos individuais devem ser reconhecidos e protegidos, mas sim todas as demais espécies desse gênero. Já com relação ao presidente que assume, Min. Cezar Peluso, assisti a programa na televisão cuja análise do jornalista especializado, após proferir todo tipo de salamaleque, por exemplo, muito preparado, reconhecido como jurista, e assim por diante, afirmou que o novo presidente vai fazer história: com base em quais fatos alguém pode afirmar isso, em especial um profissional da imprensa? O Min. Cezar Peluso, oriundo da magistratura paulista, reconhecidamente uma magistratura conservadora no país, o que parece xingamento nestas plagas, notabilizou-se por julgar a extradição de Battisti, processo no qual tentou empreender uma interpretação que iria além do papel do STF no controle da legalidade do pedido, ficando ao talante do Presidente da República extraditar ou não o extraditando, o que, no meu modo de ver, constitui-se em equivocada interpretação da própria Constituição, que confere ao chefe do Executivo esse poder. Por certo que tudo é uma questão de interpretação, mas devemos nos posicionar a respeito desses temas e eventos. É o que acontece nos Estados Unidos, que se vê às voltas com a substituição do Justice Stevens, liberal, por um outro juiz que, na visão do Presidente Obama, também deve ser liberal, tudo para equilibrar o jogo de correlação de forças que hoje pende para os conservadores, cuja agressividade no ato de julgar e de impor suas visões de mundo é constatada diariamente. Nesse quadro a imprensa norte-americana não se exime de opinar, classificando de conservador ou liberal este ou aquele juiz: aqui no Brasil isso parece ser crime. Talvez tenha a ver com nosso espírito conciliador e o sentimento de que qualquer crítica seja uma crítica pessoal, transforme-se em uma dualidade "me ama/não me ama", maniqueísmo próprio de uma nação cuja maioria é católica. Vamos ver, nessa passagem de bastão na presidência do STF, como os direitos fundamentais serão concretizados, se por um viés conservador ou se por um liberal. Eu aposto no primeiro. É isso. Sapere aude. Paulo Thadeu.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Pessoa jurídica e liberdade de expressão

A Suprema Corte americana julgou, em janeiro passado, um recurso proposto pela Citizens United contra a Comissão Eleitoral Federal. O caso tratou do direito de essa organização sem fins lucrativos exibir um documentário cujo título era Hillary, numa clara alusão à então candidata a presidente pelo Partido Democrata. O problema estava em que a Lei de Reforma de Campanhas de 2002 proibia organizações de usar fundos para fazer emissões independentes que pudessem se qualificar como "comunicação de eleição" no período de trinta dias da realização das primárias, processo este que escolhe o candidato oficial do partido ao cargo de presidente. A Suprema Corte decidiu, revendo o precedente Austin, que a pessoa jurídica também era titular do direito de liberdade de expressão, na modalidade de discurso político. Embora o que esteja por trás dessa decisão seja algo maior que a simples extensão do direito de liberdade de expressão à pessoa jurídica, o que pode ser constatado do profile do Justice Stevens publicado na The New Yorker - http://www.newyorker.com/ - de 22 de março passado e no qual há descrição de seu voto divergente em parte do voto da maioria, cuja ironia sobressai a partir do que afirma ele com relação ao direito de voto da pessoa jurídica -talvez se o documentário fosse intitulado Bush a decisão pudesse ser outra, tendo em vista o conservadorismo agressivo que reina naquela suprema corte atualmente-, é importante registrar a possibilidade de se conferir esse direito fundamental à pessoa jurídica, o que acaba por produzir efeitos no conceito e na titularidade desses mesmos direitos. Com relação ao conceito há a necessidade de se incluir na tal convivência digna, livre e igual proporcionada pelos direitos fundamentais a pessoa jurídica, e com relação à titularidade impõe-se sua expressa aceitação também à pessoa jurídica. Se levado o raciocínio ao limite, reforça a tese de que não há direito natural decorrente da natureza humana, pois pessoa jurídica não se enquadra como tal. A variação produzida demonstra que a evolução da sociedade significa ganho de complexidade, pois quem poderia imaginar que após cem anos da teoria de Jellinek uma pessoa jurídica ocupasse uma das quatro posições jurídicas por ele descritas em System der subjektiven öffentlichen rechte? É isso. Paulo Thadeu.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Boletim Informativo da PRR/3 - Dia do Índio

Caros, no endereço a seguir encontra-se o Boletim Informativo da Procuradoria Regional da República da 3a. Região sobre o Dia do Índio e cujo conteúdo está bem interessante. Boa leitura. Paulo Thadeu.
http://www.prr3.mpf.gov.br/content/view/357/2/

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Revista da Procuradoria da República de Mato Grosso do Sul

Caros, segue link para o acesso à Revista da PRMS que celebra o Dia do Índio. O conteúdo está muito bom. Boa leitura. Paulo Thadeu. http://www.prms.mpf.gov.br/info/not/images/20100416-01.pdf .

Controle da programação televisiva

Caros, no sítio da Carta Forense, http://www.cartaforense.com.br/, há uma entrevista interessante com o Domingos Savio Dresch, Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Procurador Regional da República em Porto Alegre sobre controle da programação televisiva. Vale a pena conferir, pois além de bastante clara, a entrevista mostra a diferença entre controle e censura. É isso. Paulo Thadeu.

A semana e os direitos fundamentais

Realizou-se em Brasília, nos dias 13 e 14 de abril, o seminário Pluralismo Jurídico e Multiculturalismo, organizado pela Escola Superior do Ministério Público da União e presidido pela Dra. Deborah Duprat, atual Vice-Procuradora Geral da República. O evento contou com a participação de profissionais -professores, juízes, antropólogos- estrangeiros e de procuradores da república de todo o Brasil. Participei, muito honrado e na qualidade de debatedor, da mesa de abertura cuja palestrante foi a Profa. Catherine Walsh, norte-americana radicada no Equador e integrante da Universidade Simon Bolivar. À mesma mesa se encontravam a antropóloga Rita Segato e o colega constitucionalista de escol Daniel Sarmento, sessão presidida pela Dra. Deborah Duprat.
O texto-base apresentado pela Profa. Catherine Walsh e que serviu aos debates tem o título Interculturalidad crítica y pluralismo jurídico. Nesse texto são apresentadas as seguintes ideias: o pluralismo jurídico não é nada novo, mas sim o reconhecimento atual de uma prática histórica e antiga; a interculturalidade é algo mais abrangente que o pluralismo jurídico, pois enquanto este se limita a descrever a existência de várias esferas de direito, por exemplo, justiça indígena, afro-descendente, etc., a interculturalidade, que se conceitua como a construção de relações entre grupos, práticas, lógicas e conhecimentos distintos, tem o objetivo de confrontar e transformar as relações de poder e as estruturas e instituições que as mantêm. Nesse sentido, a interculturalidade crítica se diferencia da interculturalidade funcional, esta que se limita apenas a incluir determinadas demandas dos grupos secularmente discriminados na sociedade. Essa a descrição da proposta, agora seguem meus comentários.
A interculturalidade crítica nasce nos movimentos sociais indígenas latino-americanos, o que parece ser algo genuíno, autêntico, portanto, é um projeto político, e não uma formulação acadêmica qualquer. Sua passagem para o jurídico, como princípio jurídico da interculturalidade crítica, apresenta algumas dificuldades. Penso que, se se parte da premissa de que esse princípio deve, necessariamente, vir positivado na Constituição, então o ponto de partida é a própria Constituição, documento formal e de caráter ocidental que positiva direito fundamental de índole também ocidental. Daí que como projeto político refundador da sociedade, e desde que não seja nada relacionado a uma revolução, encontra limites na própria ordem jurídica, tais como, a própria prevalência de práticas culturais ocidentais e que não firam direito fundamental. É de se destacar, neste ponto, que o Equador é um  país com quatorze milhões de habitantes e com uma pequena maioria urbana e composta, quase em toda a sua maioria, de mestiços, especifidades essas bastante diferentes das que informam a sociedade brasileira. Todavia, isso não quer dizer que não haja a possibilidade de se construir um princípio jurídico da interculturalidade crítica que se desdobre em graus. O exemplo mais citado da interculturalidade jurídica é aquele positivado na Constituição equatoriana de 2008, texto no qual se pode ler que o modo de vida equatoriano deve ser o buen vivir, que significa, grosso modo, estabelecer uma relação de harmonia com a própria natureza, além do reconhecimento expresso de determinados direitos coletivos. No Brasil penso que a Constituição, pela cláusula de abertura do artigo 5, § 2, c/c artigo 215, 225 e 231, desse texto, permite que se pense na formulação do princípio jurídico da interculturalidade crítica, ao menos em um primeiro grau, e que deve dizer respeito ao reconhecimento e proteção de determinadas práticas culturais, e de que faz maior exemplo a necessidade de, quando em jogo direito inerente aos povos tradicionais, sempre se designar perícia para se ouvir o grupo, e não apenas o indivíduo, de vez que o coletivo é marca que distingue a organização dessas sociedades -coletivo que hoje é apropriado pela sociedade envolvente para descrever a instituição do direito difuso, o que implica reconhecer que as sociedades tradicionais nada têm de primitivo e de menos complexidade-. Penso que toda ideia merece reflexão, ainda que seja para refutá-la. É isso. Sapere aude! Paulo Thadeu.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Parecer na ADPF n. 186, das cotas raciais

Caros, no endereço a seguir há um parecer do Prof. Luiz Felipe Alencastro, historiador e professor da Sorbonne, estudioso da escravidão, juntado na ADPF n. 186, proposta pelo DEM e que questiona as cotas raciais na UnB. Vale a pena ler.
http://www.geledes.org.br/cotas-no-stf/parecer-de-luis-felipe-de-alencastro-no-stf-sobre-cotas.html

sexta-feira, 9 de abril de 2010

A semana e os direitos fundamentais

A semana ficou marcada pelo anúncio de que a ADPF n. 153 vai ser julgada na próxima semana pelo STF. Proposta pela OAB Nacional, essa ADPF questiona a norma que anistiou agentes políticos do Estado que praticaram crimes durante o período da ditadura militar (1964-1985) e veiculada na Lei n. 6683/79, cujo pedido é não aplicar a anistia aos crimes comuns cometidos por esses mesmos agentes. O argumento central é o de que a anistia geral e irrestrita ofende preceito fundamental representado pela dignidade da pessoa humana, pelos princípios democrático e republicano, o de não poder ocultar a verdade e isonomia em matéria de segurança. A petição inicial, na minha opinião, está muito bem feita e tecnicamente visa a controlar o direito pré-constitucional. O julgamento dessa ADPF é muito importante para os direitos fundamentais no Brasil, pois seu tema está ligado diretamente a eles. É que há estudos empíricos comprobatórios de que naqueles países em que houve um acerto de contas com seu passado há uma cultura mais forte de respeito aos direitos fundamentais (ver Kathrin Sinkkiki, paper apresentado em Princeton, março de 2006, Colóquio de Relações Internacionais), daí a necessidade de se decidir a respeito do tema. O parecer da Procuradoria-Geral da República ofertado nessa adpf é pela sua improcedência. Vamos aguardar o julgamento, não obstante eu, particularmente, duvide da possibilidade de que o STF julgue a adpf procedente, tendo em vista sua composição atual conservadora, o que não quer dizer que eu não deseje o contrário, ou seja, que haja uma decisão de procedência.
Uma outra matéria digna de nota é o artigo escrito pelo jornalista Washington Novaes, no Estadão de hoje, cujo título é Da biodiversidade às florestas e pajés. Nesse artigo ele levanta um ponto para discussão bastante importante referente aos direitos dos povos indígenas e que é a educação bilíngue das etnias, aulas dadas em português e na língua mãe do índio, o que, na visãos dos índios mais velhos está causando a perda da cultura indígena, pois aqueles que aprendem o português começam a se integrar com os não índios e passam a assumir a sua forma de viver. Essa questão tem a ver com a oferta de educação aos índios e demonstra o quão complexa é a situação que envolve direito cultural das minorias numa sociedade envolvente: interferir ou não, e em caso positivo, qual o limite da restrição? ou ofertar o ensino apenas na língua materna? É isso. Reflitamos. Sapere aude! Paulo Thadeu.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

O STF e a inviolabilidade de domicílio

O Min. Celso de Mello, no HC n. 103325, em 30/03/2010, suspendeu, liminarmente, o processo-crime principal, até o julgamento final do habeas, ao fundamento de que as provas criminais obtidas contra o paciente são ilícitas. Em jogo: a ilicitude da prova obtida por agentes de polícia federal e fiscais da receita federal em escritório de contabilidade porque sem mandado judicial. A Constituição Federal positiva a inviolabilidade de domicílio no artigo 5, inciso XI, segundo o qual a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial. Do que se pode deduzir do narrado na decisão liminar, os agentes estatais entraram em escritório de contabilidade, sem ordem judicial, e apreenderam meios magnéticos, livros e documentos inerentes a mais de 1.200 empresas clientes do escritório. Essa decisão pode ser vista por duas perspectivas: a primeira delas é a que se relaciona com a proibição, no processo, de provas obtidas por meios ilícitos, seja originariamente, seja por derivação, conforme artigo 5, LVI, CF; a segunda delas, e no que diz mais com a garantia da inviolabilidade de domicílio, destaca-se a compreensão de que, para o direito constitucional, domicílio tem um amplo significado, estendendo-se mesmo ao local no qual o indivíduo exerce sua profissão, e que acaba por configurar a noção de vida privada social. Esta figura da vida privada social significa, no dizer da Corte Européia dos Direitos do Homem, que o indivíduo tem o direito de permanecer em sua casa para excluir os outros, assim como o direito de sair para ir tem com os outros (le droit de rester chez soi pour exclure les autres et comme le droit de sortir de chez soi pour aller vers les autres, Frédéric Sudre e outros, Les grands arrêts de la Cour européenne des Droits de l´Homme, puf, Paris, 2009, p. 485). Esse caso tratou de um advogado de Munique, Sr. Niemietz, que teve contra si cumprida uma ordem judicial de um tribunal local para entrar em seu escritório de advocacia para se identificar o autor de uma carta insultuosa endereçada a um juiz de uma causa contra um empregador que se recusou a reter dos salários de seus empregados o valor referente ao imposto eclesiástico, de vez que o sr. Niemietz era advogado de um grupo anticlerical. Sr. Niemietz ganhou a causa na Corte Européia. Portanto, o conceito de domicílio constitucional é muito mais amplo e diferente do que e daquele que é adotado pelo Código Civil e pelo Código Eleitoral. Todavia, a proteção não parece ser absoluta, tendo em vista o decidido pelo STF no Inquérito n. 2424, no qual entendeu-se admissível a penetração, em local de trabalho, no período noturno, para a colocação de escuta ambiental. Tudo vai depender, por certo, do suporte fático e da aplicação da máxima da proporcionalidade para se aferir a constitucionalidade da restrição a direito fundamental. É isso. Paulo Thadeu.

sábado, 3 de abril de 2010

Imunidade tributária e o kindle

A decisão abaixo entendeu que a imunidade tributário-constitucional aplica-se apenas ao livro-papel. Ela pode produzir efeitos sobre a nova tecnologia chamada de leitores de livros, os e-readers, tal como o Kindle: seria ele imune a tributos ou não? Percebam que o Kindle não se limita a ser um reprodutor de conteúdo dos livros, permite, também, acesso à Internet, leitura de jornais, revistas e blogs, wikipedia, etc. Vamos ver no que vai dar.

DJe-040 DIVULG 04/03/2010 PUBLIC 05/03/2010

Partes
RECTE.(S) : ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
RECDO.(A/S) : ELFEZ EDIÇÃO COMERCIO E SERVIÇOS LTDA
ADV.(A/S) : FÉLIX SOIBELMAN

DECISÃO

Vistos.

Estado do Rio de Janeiro interpõe recurso extraordinário, com fundamento na alínea “a” do permissivo constitucional, contra acórdão da Décima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, assim ementado:

“Duplo Grau de Jurisdição. Mandado de Segurança. Imunidade concernente ao ICMS. Art. 150, VI, ‘d’, da Constituição
Federal. Comercialização da Enciclopédia Jurídica eletrônica por processamento de dados, com pertinência exclusiva ao seu conteúdo cultural – software.  Livros, jornais e periódicos são todos os impressos ou gravados, por quaisquer processos tecnológicos, que transmitem aquelas idéias, informações, comentários, narrações reais ou fictícias sobre todos os interesses humanos, por meio de caracteres alfabéticos ou por imagens e, ainda, por signos.
A limitação do poder de tributar encontra respaldo e inspiração no princípio no Tax on Knowledgs.
Sentença que se mantém em duplo grau obrigatório de jurisdição” (fl. 94).

Alega o recorrente contrariedade ao artigo 150, inciso VI, alínea “d”, da Constituição Federal.
Contra-arrazoado (fls. 112 a 137), o recurso extraordinário (fls. 98 a 109) foi admitido (fls. 143 a 145).
Opina o Ministério Público Federal, em parecer da lavra do Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner de Castro Mathias Netto, “pelo desprovimento do recurso” (fls. 160 a 164).

Decido.

Anote-se, inicialmente, que o acórdão recorrido foi publicado em 15/9/2000, conforme expresso na certidão de folha 96, não sendo exigível a demonstração da existência de repercussão geral das questões constitucionais trazidas no recurso extraordinário, conforme decidido na Questão de Ordem no Agravo de Instrumento nº 664.567/RS, Pleno, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 6/9/07.
A irresignação merece prosperar, haja vista que a jurisprudência da Corte é no sentido de que a imunidade prevista no artigo 150, inciso VI, alínea “d”, da Constituição Federal, conferida a livros, jornais e periódicos, não abrange outros insumos que não os compreendidos na acepção da expressão “papel destinado a sua impressão”. Sobre o tema, anote-se:

“Tributário. Imunidade conferida pelo art. 150, VI, "d" da Constituição.
Impossibilidade de ser estendida a outros insumos não compreendidos no significado da expressão ‘papel destinado à sua impressão’. Precedentes do Tribunal. - Incabível a condenação em honorários advocatícios na ação de mandado de segurança, nos termos da Súmula 512/STF. Agravos regimentais desprovidos” (RE nº 324.600/SP-AgR, Primeira Turma, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJ de 25/10/02).
“ISS. Imunidade. Serviços de confecção de fotolitos. Art. 150, VI, "d", da Constituição. - Esta Corte já firmou o entendimento (a título exemplificativo, nos RREE 190.761, 174.476, 203.859, 204.234, 178.863) de 31/3/2010 que apenas os materiais relacionados com o papel - assim, papel fotográfico, inclusive para fotocomposição por laser, filmes fotográficos, sensibilizados, não impressionados, para imagens monocromáticas e papel para telefoto - estão abrangidos pela imunidade tributária prevista no artigo 150, VI, "d", da Constituição. - No caso, trata-se de prestação de serviços de composição gráfica (confecção de fotolitos) (fls. 103) pela recorrida a editoras, razão por que o acórdão recorrido, por ter essa atividade como abrangida pela referida imunidade, e, portanto, ser ela imune ao ISS, divergiu da jurisprudência desta Corte. Nesse sentido, em caso análogo ao presente, o decidido por esta 1ª Turma no RE 230.782. Recurso extraordinário conhecido e provido” (RE nº 229.703/SP Primeira Turma, Relator o Ministro Moreira Alves, DJ de 17/2/02). “Recurso extraordinário inadmitido. 2. Imunidade tributária. Art. 150, VI, d, da Constituição Federal. 3. A jurisprudência da Corte é no sentido de que apenas os materiais relacionados com o papel estão abrangidos por essa imunidade tributária. 4. Agravo regimental a que se nega provimento” (AI nº 307.932/SP-AgR, Segunda Turma, Relator o Ministro Néri da Silveira, DJ de 31/8/01).
No mesmo sentido, as seguintes decisões monocráticas proferidas em processos em que a matéria discutida é especificamente a imunidade tributária incidente sobre livros eletrônicos (CD-ROM): RE nº 416.579/RJ, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, DJ RE nº 282.387/RJ, Relator o Ministro Eros Grau, DJ de 8/6/06 e AI nº 530.958/GO, Relator o Ministro Cezar Peluso, DJ de 31/3/05.

Ante o exposto, nos termos do artigo 557, § 1º-A, do Código de Processo Civil, conheço do recurso extraordinário e lhe dou provimento para denegar a segurança. Sem condenação em honorários, nos termos da Súmula nº 512/STF. Custas ex lege.
Publique-se.
Brasília, 4 de fevereiro de 2010.

Ministro DIAS TOFFOLI
Relator

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Liberdade de religião: o caso da ayahuasca no Brasil e do peyote nos Estados Unidos

A internacionalização dos direitos humanos, e não a sua universalização, produz como consequência, no nível do direito positivo, a criação de normas constitucionais expressas no próprio texto da Constituição, assim como nos textos dos tratados referentes a direitos fundamentais. Esse evento da internacionalização pode ser analisado junto ao fenômeno da migração das ideias constitucionais, este que diz respeito ao próprio direito constitucional e que é representado pela absorção de interpretações que são feitas das normas constitucionais por tribunais estrangeiros. Todavia, esse processo não é automático e apresenta distinções, o que é uma virtude. Por exemplo, determinada interpretação de norma constitucional feita pela Suprema Corte americana pode ser distinta do tratamento dado a mesma situação no Brasil. Em jogo: a ayahuasca brasileira e o peyote americano.

No Grupo Multidisciplinar de Trabalho – GMT – organizado no âmbito do CONAD, houve a produção de um relatório final no qual, partindo-se da premissa de que as comunidades que usam, para fins religiosos, o santo daime e/ou vegetal e/ou hoasca, são religiões, regulamentou-se o uso da planta, aprovando-se os seguintes princípios deontológicos: uso restrito a rituais religiosos, em locais autorizados, vedado seu uso associado a substâncias psicoativas ilícitas; o uso religioso implica todo o processo de produção, armazenamento, distribuição e consumo da Ayahuasca, sendo vedada a comercialização e percepção de qualquer vantagem; deve-se evitar o oferecimento de pacotes de viagem por parte das comunidades religiosas; evite-se a propaganda da Ayahuasca; a prática do curandeirismo é proibida pela legislação brasileira; as comunidades devem se organizar juridicamente e exercer rigoroso controle sobre o sistema de ingresso de novos adeptos, mantendo-se organização das informações referentes ao participante.

O CONAD é o órgão normativo do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – SISNAD e suas decisões deverão ser cumpridas pelos órgãos e entidades da Administração Pública integrantes do Sistema. A decisão que vem de ser citada é baseada no que preceitua a Constituição Federal, artigos 5, VI, e 215, § 1º, que tratam do direito de liberdade religiosa e do direito à cultura. Portanto, e desde que respeitados os princípios deontológicos acima mencionados, o uso religioso da Ayahuasca está permitido no Brasil, destacando-se que a decisão considera, de saída, as comunidades praticantes do ritual que se utiliza do vegetal como sendo religiosas, são, portanto, religiões, e não seitas, o que já demonstra uma interpretação bastante ampla do próprio conceito de religião, e ao menos no ponto de vista deste autor, adequado.

Enquanto no Brasil o uso da Ayahuasca é regulamentado e permitido, nos Estados Unidos a Suprema Corte decidiu, no caso Employment Division of Oregon v. Smith, 1990, que o uso da substância conhecida por peyote não é lícito. O caso envolveu duas pessoas, Alfred Smith e Galen Black, que foram demitidos de uma organização privada de reabilitação das drogas porque beberam o peyote num ritual de uma igreja indígena americana, para fins, portanto, religiosos. Quando foram dar entrada no seguro desemprego, foram considerados como não beneficiários por causa de sua má conduta, tendo em vista que a legislação do Estado do Oregon considera crime o uso do peyote e não o excepciona para fins religiosos. O caso foi parar na Suprema Corte, que deu razão ao Estado, pela votação de 6 a 3. O juiz Scalia foi o relator do acórdão. A questão era a de se saber se era constitucional a proibição, pelo Estado do Oregon, do uso do peyote, inclusive para fins religiosos, pois a lei não trazia essa exceção, à luz da Primeira Emenda, que trata do direito de liberdade religiosa. A Suprema Corte decidiu que a liberdade de crença é absoluta, enquanto que a de conduta não. Beber peyote no Estado do Oregon é crime, trata-se, portanto, de analisar a conduta. É a famosa dupla crença-ação. Entendeu-se, também, que como a lei de que se tratava era religiosamente neutra e de aplicação geral, e não uma específica com relação à religião, não era de se aplicar o teste do indeclinável interesse público – compelling state interest –, pelo qual o Estado, toda vez que discriminar direito fundamental, tem de provar que está protegendo um valor maior, embora a juíza O’Connor, ainda que concordando no resultado, fundamentou seu voto nesse sentido.

Esses fatos demonstram que a troca de informações a respeito das decisões tomadas pelas cortes constitucionais mundo afora é um processo que permite alargar nossas visões de mundo, contudo, isso não quer dizer que devamos importar e aplicar automaticamente ideias produzidas em outras realidades, de vez que podemos constituir uma sociedade diferente e, porque não dizer, mais respeitosa para com o diferente, o que para muitos significa tolerância. É isso. Sapere aude! Paulo Thadeu.