O direito mais importante

O direito mais importante

terça-feira, 29 de junho de 2010

A questão da ficha limpa

A coloquialmente denominada questão da ficha limpa envolve uma discussão constitucional bastante interessante. O quadro atual no qual ela se apresenta resume-se em saber se a Lei Complementar n. 135, de 4/06/2010, nos vários artigos que positivam a redação “decisão proferida por órgão colegiado”, é constitucional ou não. Essa lei complementar veio regulamentar o disposto no artigo 14, § 9, da Constituição Federal, que dispõe que “Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta”.
A questão não é nova. Na década de 1970, o Supremo Tribunal Federal decidiu, por maioria, no RE n. 86297, que a inelegibilidade prevista no artigo 1, I, n, da Lei Complementar n. 5/70, era parcialmente constitucional. Esse artigo preceituava: “Art. 1: São inelegíveis: I: para qualquer cargo eletivo: n) os que tenham sido condenados ou respondam a processo judicial, instaurado por denúncia do Ministério Público recebida pela autoridade judiciária competente, por crime contra a segurança nacional e a ordem política e social, a economia popular, a fé pública e a administração pública, o patrimônio ou pelo direito previsto no art. 22 desta Lei Complementar, enquanto não absolvidos ou penalmente reabilitados”.
Esse caso é bastante interessante porque nele o STF decidiu que a cláusula de abertura constante do então artigo 153, § 36, Constituição de 67/69, hoje transcrito no artigo 5, § 2, da Constituição atual, não albergava o princípio da presunção da inocência, de vez que na Constituição de 67/69 esse direito fundamental não veio positivado expressamente em seu texto. Os votos então proferidos, muito bem fundamentados, são verdadeiras aulas de direito, daí decorrendo a impossibilidade de sua descrição neste espaço.
Ao lado do destaque já feito acima, pode-se extrair, como resumo, que a quaestio juris se refere à possibilidade ou não de se aplicar a presunção de não culpabilidade às causas de inelegibilidade que se fundem em aspectos relativos à moralidade do candidato, redação essa prevista no artigo 151, da Constituição de 67/69 e no 14, § 9, da Constituição atual. A perfeita tradução dessa questão é representada pela natureza que se deva conferir à própria inelegibilidade: é ela pena ou não? Se considerá-la como pena o princípio da presunção da não culpabilidade incidirá e a consequência dessa incidência será a de se considerar inconstitucional a redação da lei complementar atual que não traga consigo a exigência do trânsito em julgado, tendo em vista o disposto no artigo 5, LVII, da Constituição atual; se não for considerada pena, o princípio não incidirá.
Essa foi a tônica do voto vencedor do Min. Arnaldo Versiani, do TSE, em resposta à Consulta n. 1147-09.2010.6.00.0000, que firmou, por maioria, a premissa de que a inelegibilidade não é pena, trazendo à colação a compreensão construída pelo próprio TSE nos Recursos n. 9797/92 e 8818/90, como também do STF no MS n. 22.087. Para complicar um pouco mais o quadro de discussão constitucional, é forçoso lembrar que na ADPF n. 144 o STF decidiu, por maioria, julgando improcedente a ação, que a norma do artigo 14, § 9, da Constituição Federal não é auto-aplicável, contudo, não houve uma uniformidade nos fundamentos apresentados, sendo certo que em alguns votos ficou a compreensão de que mesmo com a regulamentação do dispositivo por lei complementar – o que já é realidade neste momento – haveria a necessidade de trânsito em julgados de decisões judiciais que se referissem à improbidade do candidato, interpretação essa que consta de forma bastante forte na Ementa do Acórdão.
Do ponto de vista político é irônico que se esteja a discutir esse tipo de questão constitucional, pois que ela existiu nos tempos de ditadura militar; do ponto de vista histórico demonstra que não há uma linearidade da história em direção a um mundo novo e sem recorrências ao passado; do ponto de vista jurídico-constitucional o STF terá de se manifestar, novamente, a respeito do tema. É isso. Sapere Aude! Paulo Thadeu.

domingo, 27 de junho de 2010

Música de domingo

Sinfonia n. 5, parte I, Gustav Mahler: http://www.youtube.com/watch?v=IrFVVUcSgP8 . Paulo Thadeu.

sábado, 26 de junho de 2010

Música de sábado

Love Letters, por Ketty Lester, interpretação impecável, poderosa e emocionante:
http://www.youtube.com/watch?v=L4aTLurY3gw . Paulo Thadeu.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Direito fundamental ao nome eleitoral

Questão interessante que está a desafiar a interpretação jurídica é aquela referente ao registro, por terceiro, de domínio, na internet, com a utilização de nomes de pré e de candidatos oficializados pelos partidos políticos para o pleito eleitoral deste ano.
A questão posta tem índole constitucional, pois que o registro indevido de domínio referente à Rede Mundial de Computadores se constitui em desdobramento do direito fundamental de personalidade representado pelo direito ao nome eleitoral. Essa ideia decorre do que dispõem as normas pertencentes aos ordenamentos constitucional e infraconstitucional.
Com relação ao primeiro servem de arrimo à reflexão as normas do artigo 5, incisos IV e X, e § 2o, da Constituição Federal, pelas quais preceitua-se que a honra, a privacidade e a intimidade das pessoas são bens expressamente protegidos e que a enumeração explícita dos direitos fundamentais não esgota a possibilidade de haver outros direitos fundamentais decorrentes do regime, dos princípios e dos documentos internacionais de direitos humanos. Já referentemente ao ordenamento infraconstitucional é de se ter em mente o disposto na norma do artigo 16, do Código Civil, pelo qual todos têm direito a um prenome e a um sobrenome.
A força de significado atribuída às normas constitucionais em questão advém da dimensão subjetiva e da dimensão objetiva dos direitos fundamentais. A primeira significa que o titular de direito fundamental é titular de direito subjetivo, pelo qual possui uma pretensão, um direito subjetivo em sentido estrito e uma ação judicial; a segunda significa que os direitos fundamentais deitam suas raízes por todo o ordenamento jurídico nacional, seja ele constitucional, supralegal ou infraconstitucional, o que produz a salutar consequência traduzida na necessidade de se interpretar a Constituição conforme aos direitos fundamentais.
Tomada por esses significados é a norma do artigo 16, do Código Civil, que permite interpretá-lo, por isso mesmo, como devendo o Estado e a sociedade zelarem pela sua proteção, seja ele direito ao nome civil, seja ele direito ao nome eleitoral, este projeção daquele, portanto, projeção de um direito fundamental da personalidade, pois não se pode, por amor à lógica, imaginar que alguém possa ter existência civil e não existência eleitoral, desde que esteja apto ao exercício dos direitos políticos, inserindo-se nestes últimos o direito à propaganda eleitoral. Aqui vem à mente a incorporação de apelidos ao nome próprio como parte constitutiva da existência eleitoral, da qual o atual Presidente da República é exemplo cabal.
Daí que parece ser tomada pela fumaça do mau direito conduta representada pelo registro, sem autorização, de nomes de pessoas que sabidamente serão candidatas em processo eleitoral que se avizinha, constantes de domínio referente à rede mundial de computadores.
O direito à proteção do nome eleitoral tanto mais se fortifica quanto mais se pense em que a Lei n. 12.034/09 autorizou a prática de propaganda eleitoral na rede mundial de computadores. Se assim é, a questão tem força suficiente a atrair a jurisdição eleitoral cível, pois que o ato de que ora se trata se constitui num impedimento explícito e maculador da legislação que permite a propaganda eleitoral, tudo sem prejuízo das conotações criminal e reparadoras a serem objeto de esclarecimento em instância própria.
Um outro fundamento bastante forte e que serve de alicerce à argumentação aqui traçada diz com o cerceamento que a conduta em foco produz com relação ao exercício do direito fundamental de liberdade de expressão. É que esta liberdade, desde os primórdios e ao menos na realidade norte-americana e a sua famosa Primeira Emenda, se referia ao discurso levado a efeito na arena política, mais especificamente representado pela possibilidade de se criticar o governo. Na evolução semântica de sua concepção se espraia, atualmente, por todos as esferas do mundo da vida, seja ele privado, seja ele público.
Assim é que, no tempo presente, o direito de liberdade de expressão se refere, de forma geral, ao livre mercado de ideias e ao discurso político, sendo que pessoas físicas e jurídicas (na doutrina: Jónatas E. M. Machado, Liberdade de Expressão, Coimbra, 2002; na jurisprudência: Citizen United v. Federal Election Comission, US Supreme Court, 2010) podem ser seus titulares. Nessa linha de raciocínio, que se ilustra pela possibilidade de se exteriorizar pensamentos, ideias, opiniões, convicções, bem como sensações e sentimentos em suas mais variadas formas, quais sejam, as atividades intelectuais, artísticas, científicas e de comunicação, envolvendo tema de interesse público ou não, não abrangendo a violência, mas podendo causar convencimento nas pessoas, a propaganda eleitoral, que tem como objetivo exato o de, mediante a prática do proselitismo, ganhar adeptos à candidatura formalizada, é espécie do gênero maior que é a liberdade de expressão.
Daí que qualquer conduta tendente a impedir o regular exercício do direito de se fazer propaganda eleitoral fere, também, o direito fundamental de liberdade de expressão. E, para este caso, o registro de domínio, por terceiro, pessoa jurídica estranha às pessoas físicas de pré-candidatos e de candidatos, na internet e se utilizando dos nomes eleitorais desses mesmos pré-candidatos, impede o registro do domínio pelos titulares dos próprios nomes, o que acaba por gerar o absurdo de o real titular do nome eleitoral não poder utilizá-lo, a não ser mediante autorização do terceiro que o registrou.
Se é certo pensar que neste caso não se trata do conflito entre registro de domínio e marca, não é menos correto afirmar que, na colisão que ora se apresenta, entre registro de domínio e nome eleitoral, também deve prevalecer o direito do “dono” do nome pessoa física e pré-candidato, à semelhança do que vem entendendo a jurisprudência nacional a respeito do primeiro conflito. É isso. Sapere Aude! Paulo Thadeu.

domingo, 13 de junho de 2010

Princípio da proporcionalidade: parte II

Dando sequência ao que foi escrito na postagem sob título Princípio da proporcionalidade: parte I, neste momento serão feitos dois testes de aplicação desse princípio: a) o primeiro deles se refere à ADI n. 1969, já decidida pelo STF, mas sem a aplicação do princípio; b) a segunda se refere à ação civil pública ajuizada pelo MPF e que se encontra em grau de recurso junto ao TRF3.
No caso da ADI 1969 estava em jogo decreto do Governador do Distrito Federal que proibia a manifestação de pessoas na praça dos Três Poderes portando megafone e carro de som. No primeiro teste, que é a adequação, é de se perguntar se a medida restritiva era útil ao fim a que se propunha, talvez o de não atrapalhar as pessoas que estivessem trabalhando no mesmo local e no mesmo momento da reunião, sendo certo que naquela região há apenas funcionários públicos. De saída não parece adequado pensar que a medida seria útil ao objetivo pretendido, e assim se afirma porque, a despeito de não se emitir som com megafone e carro de som, os manifestantes bem poderiam começar a entoar cantos e a gritar palavras de ordem que pudessem produzir sons ou barulhos em igual ou mesmo maior potência. Demais disso, não se pode argumentar que o serviço público, uma vez a reunião se realizando com os instrumentos proibidos, sofreria solução de continuidade, pois que manifestações sempre são feitas por período determinado.
Contudo, e apenas para que se possa continuar a aplicar o teste seguinte da necessidade, considere-se, hipoteticamente, que a medida seja adequada. A necessidade manifesta-se pela inexistência de medida restritiva menos danosa ao direito fundamental. Na reflexão a respeito da medida em comento, poder-se-ia pensar numa regulamentação do direito de reunião na qual a própria potência dos instrumentos proibidos fosse regulada, restringindo-se, assim, em menor grau, o direito fundamental de reunião. Há, portanto, medida menos danosa que a simples proibição geral de portar as ferramentas próprias ao exercício do direito de reunião.
Todavia, e também apenas com o intuito de se aplicar o último teste, conclua-se que a medida é necessária. Na aplicação do terceiro teste, i.e., a proporcionalidade em sentido estrito, a primeira pesquisa que deve ser feita é saber se o ônus imposto é menor que o benefício almejado. No caso o ônus imposto ao direito de reunião é representado pela proibição de portar megafone e carro de som, ao que parece, com vistas a resguardar a tranqüilidade e o direito das pessoas que querem continuar trabalhando na mesma área e no mesmo momento em que ocorre a reunião. Na avaliação a ser feita o ônus criado fere, em sua essência, a concretização do direito de reunião, pois que este, para se realizar, necessita dos instrumentos proibidos para que a reunião possa ter coordenação ou um mínimo de. Sem essa possibilidade, não há como se efetivar o direito de reunião. Além disso, o objetivo pretendido, nesse quadro, é de menor importância que a proibição gerada pela regra, de vez que, parece ser de todos sabido, aqueles que estão a trabalhar em momento específico no qual se realiza a reunião, embora possam, em tese, ser atrapalhados pelos sons emitidos da manifestação de protesto, não se encontram impedidos, de forma absoluta, de exercer suas atividades. O atrapalho é, por assim dizer, o custo que se paga por viver em uma democracia. Dessa forma, a medida ora analisada não é proporcional em sentido estrito. Seja por uma razão, seja por outra, é ela inconstitucional, o que foi reconhecido pelo STF.
O segundo caso se refere a uma ação civil pública proposta pelo MPF com o objetivo de que o INSS se abstenha de indeferir pedido de auxílio gestante às índias menores de 16 anos e grávidas que já trabalhem, desde cedo, com os pais nas respectivas áreas indígenas. Esta questão trata, prima facie, de uma colisão de direitos fundamentais, o primeiro positivado na norma do artigo 7, XXXIII, da Constituição Federal, pela qual se proíbe o trabalho do menor de 16 anos, com exceção, a partir dos 14, do menor aprendiz. Essa norma, ao que parece, é uma regra, e não um princípio, pois impõe dever e garante direito de forma definitiva. O outro direito fundamental é expresso pelo que diz a norma do artigo 231, caput, da Constituição Federal, que reconhece aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições. Nesse quadro, os índios trabalham com suas famílias, desde muito cedo, nas lidas diárias realizadas nas terras indígenas.
Esta questão é um pouco mais complexa do que a primeira, porque aqui o que discute não é uma relação de restrição pura e simples, mas sim um conflito entre um direito fundamental ocidental e um direito fundamental tradicional, ainda que ambos se positivem num marco regulatório nitidamente ocidental, que é a Constituição. De um lado há a proibição ocidental do trabalho do menor no sentido de se impedir a exploração das crianças, contudo, o trabalho desempenhado pelos menores indígenas em suas famílias não se caracteriza pela exploração presenciada na sociedade envolvente, pois que não há, na produção indígena, preocupação com a produção de excedentes visando à comercialização, até porque a relação estabelecida pelo índio com a terra é de sacralidade, e não de economicidade.
Por outro lado, é dos costumes indígenas a realização de casamentos entre as pessoas com idade bastante nova, de modo que essas uniões podem servir de base à concessão do benefício, não se aplicando, aqui também, os institutos civis da capacidade.
A medida judicial que deferiu a liminar e que é objeto de recurso no TRF3 não restringe direito fundamental, pelo contrário, concretiza uma sua espécie, que é o direito cultural dos índios. Portanto, não se trata de regra restritiva de direito fundamental. Em caráter excepcional, então, pode-se pensar que este é um caso de regra colidindo, diretamente, com um direito fundamental veiculado em princípio: a primeira representada pelo artigo 7, XXXIII, e a segunda pelo artigo 231, caput, ambos da Constituição Federal. Se assim é, a solução parece ser se aplicar, automaticamente, o teste da proporcionalidade em sentido estrito, no qual há a ponderação ou o sopesamento.
O ônus imposto ao direito sacrificado, expresso no artigo 7, XXXIII, da CF, é menor que o objetivo pretendido, qual seja, o reconhecimento e a proteção dos direitos culturais dos índios, pois que a decisão se refere apenas àquelas pessoas que possuem essas práticas culturais como próprias, inseridas num modo alternativo de vida que se diferencia do modo ocidental, conforme já supramencionado. Não há, por causa disso, prevalência hierárquica de uma norma em relação a outra; há apenas, uma acomodação, no processo de interpretação constitucional, do que prescrevem duas normas que, prima facie, supostamente estariam em conflito. Há a presença da direta proporcionalidade das grandezas envolvidas, i.e., quanto maior o grau de não satisfação do direito positivado no artigo 7, XXXIII, da CF, maior é a importância da satisfação do direito positivado no artigo 231, caput, da mesma CF. Há, também confiabilidade nas premissas empíricas, a partir do momento em que a interpretação do artigo 231, da CF, se constrói com base em dados coletados em perícia de caráter etno-histórico-antropológica, a qual fornece conhecimento adequado a respeito da diferente forma de viver dos índios. Em suma, eventual decisão reconhecendo o direito em causa será constitucional. Sapere Aude! Paulo Thadeu.

Música de domingo

A busca pelo belo estético atingida nesta música. Mahler, Sinfonia n. 5, IV movimento, bem lento (sehr langsam):  http://www.youtube.com/watch?v=uOo8QoJEE6I . Paulo Thadeu.

sábado, 12 de junho de 2010

Música de sábado

Clássico do underground: http://www.youtube.com/watch?v=4wNknGIKkoA. Paulo Thadeu.

Princípio da proporcionalidade: parte I

O princípio da proporcionalidade é uma ferramenta utilizada para se resolver colisão de e restrição a direito fundamental. Colisão e restrição são coisas distintas. Colisão de direitos fundamentais se refere ao conflito entre dois direitos fundamentais veiculados sob a forma de princípios, estes que impõem deveres e garantem direitos prima facie. Em geral os direitos fundamentais vestem essa roupagem. A restrição a direito fundamental significa a existência de uma regra que está a restringir um direito fundamental, o que ocorre na maioria dos casos. Como exemplo do primeiro caso pode-se citar o conflito entre o direito de propriedade e a dignidade da pessoa humana em relação ao suporte fático representado pela reocupação de terras indígenas pelos índios, terras cuja titulação pertence a particular; como exemplo do segundo evento tem-se decreto que limita direito de reunião das pessoas. Quando houver colisão de direitos fundamentais aplica-se, diretamente, a proporcionalidade em sentido estrito; quando houver restrição, o princípio da proporcionalidade em sua inteireza, sendo certo que os três testes atinentes a esse princípio mantêm entre si uma relação de subsidiariedade, i.e., se a medida restritiva foi reprovada no primeiro teste não há a necessidade de que se faça o segundo. Por aí já se percebe que o princípio da proporcionalidade tem três testes: a) adequação; b) necessidade; c) proporcionalidade em sentido estrito. Pelo primeiro avalia-se se a restrição imposta a direito fundamental pela medida restritiva é útil a fomentar e/ou a alcançar o objetivo pretendido; pelo segundo avalia-se se não há medida menos danosa ao direito fundamental e que possa produzir o mesmo objetivo; pelo terceiro faz-se a ponderação/sopesamento atendo-se a algumas balizas, tais quais, o ônus imposto não pode ser maior que o benefício almejado, todas as normas constitucionais possuem mesma hierarquia, o grau de não satisfação de um direito é grandeza diretamente proporcional à importância da satisfação do direito colidente e a confiabilidade das premissas empíricas.
Embora esse princípio tenha sido construído já há algum tempo pela teoria alemã e tenha ganho popularidade suficiente a que conste de quase todo currículo de cursos de direito espalhados pelo país, sua aplicação pelos tribunais ainda se encontra em estágio inicial, como que engatinhando, seja na práxis dos tribunais inferiores, seja nos superiores e, com especial destaque, no STF. Assim é que várias decisões sobre restrição a direito fundamental são proferidas sem que se adote, expressamente, a metodologia que vem de ser descrita e que se refere ao princípio da proporcionalidade. Por certo que essas decisões não possuem como método apenas impulsos intuitivos, de vez que contêm racionalidade, contudo, não há um padrão a ser observado e extraído desses atos decisórios, e isso a despeito do acerto das soluções alcançadas. Há juiz no STF, por exemplo, que rejeita a aplicação do princípio, v.g., Min. Eros Grau no caso da ADPF n. 101, da importação do pneu usado, voto no qual afirmou que a ponderação de princípios é feita discricionariamente e por isso produz incerteza jurídica.
Sem embargo da existência desse tipo de afirmação, com a qual não se concorda, seja porque discorda-se da afirmação de que há discricionariedade pura e simples no ato de julgar, seja porque as conseqüências do decidido pelo uso desse método de interpretação não se revestem de incerteza jurídica, esta que é produzida, sim, pela falta de uma metodologia transparente e balizada por regras fixas e explícitas, é importante para a fixação das idéias a realização dos testes supracitados com relação a determinados atos que possam configurar restrição a direito fundamental. É o que será feito na próxima postagem. Sapere Aude! Paulo Thadeu.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Os novos direitos

A distinção e por vezes conflituosa relação entre direito e política traz à tona duas abordagens antagônicas: a) a primeira representada por aquilo que se convenciona denominar de novos direitos; b) a dificuldade contra-majoritária da jurisdição constitucional. Por novos direitos devem ser compreendidos aqueles que escapam à distinção capital/trabalho e espraiam seus efeitos por áreas tão diversas que não há mesmo possibilidade de se separá-las, por exemplo, direitos de gênero, de etnia, de raça, de orientação sexual, etc, fazendo da sociedade moderna uma poliarquia, no dizer de Dahl, ou mesmo uma sociedade diferenciada funcionalmente, no pensamento de Luhmann. A dificuldade contra-majoritária da jurisdição constitucional significa que o reconhecimento desses novos direitos por ela, jurisdição, apresenta um obstáculo à sua legitimação e que é aquele inerente a decisão oriunda de um tribunal no qual os juízes não são eleitos pela maioria, esta que se faz presente na política ou no Parlamento. Dessa breve descrição já se pode perceber o problema. É que aqueles que apostam todas as suas fichas na política entendem que a afirmação de direitos deve ser realizada por lei votada por uma maioria representativa dos eleitores. Contudo, se essa mesma maioria for contrária ao reconhecimento de direitos referentes a um determinado grupo este grupo restaria sem alternativa a fazer valer seus direitos. É o que poderia acontecer com o direito de adoção por pessoas cuja orientação sexual fosse diferente da predominante, que é a heterossexual. A Folha de São Paulo de hoje, sábado, publicou pesquisa feita pelo Datafolha segundo a qual a maioria dos brasileiros é contra essa forma de adoção. Portanto, e a depender da maioria parlamentar que reflita a vontade da maioria dos eleitores, essa matéria não seria aprovada no Parlamento. O direito, nesse caso, vem sendo reconhecido pelos tribunais, estes que, se apresentam a tal da dificuldade contra-majoritária, são instâncias de resguardo dos direitos das minorias, estas que aqui devem ser tomadas na conta de minorias de grupos e minorias eleitorais. Esse caso é bastante ilustrativo da reflexão que pode ser feita a respeito da suposta relação de embate que existe entre direito e política, e essa reflexão, no meu ponto de vista, deve ser temperada, no processo de discussão, pelo sopesamento das razões advindas dos dois polos da discussão, tudo para que se possa chegar a um ponto de arquimedes, um ponto de equilíbrio, representado pela existência do processo deliberativo parlamentar contrabalanceado pela existência da jurisdição constitucional: no primeiro garante-se o direito da maioria e no segundo o da minoria. Num exercício de interpretação constitucional mais adequado à sociedade moderna, seria como se pensar na Constituição como viva - living Constitution - e não na vontade original daqueles que a fizeram -originalism-.Um não exclui o outro, pelo contrário, mantêm entre si uma relação de complementaridade, tudo na consecução de se produzir uma mais adequada ordem social. É isso. Sapere Aude! Paulo Thadeu.

Música de sábado

Um standard do jazz, Dave Brubeck e quarteto tocando Take Five, ritmo um pouco acelerado, diferente da versão que consta do cd Time Out, biscoito fino: http://www.youtube.com/watch?v=faJE92phKzI . Paulo Thadeu.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

O poder dos conselhos externos

Com a criação, pela EC n. 45/04, dos Conselhos Nacional de Justiça e do Ministério Público, produziram-se duas consequências imediatas, quais sejam, o surgimento de novas instituições do sistema de justiça e o aumento da complexidade ligado diretamente ao incremento de funções a ser desempenhadas por esses órgãos. Do debate da época, há mais de cinco anos, pouca crítica restou, pois que a mais forte delas, e a menos convincente, se referia a uma suposta violação do princípio federativo, argumento esse de tão pouca força persuasiva que ia mesmo contra o tal caráter nacional da magistratura e do ministério público, i.e., nem mesmo a teoria se entendia. Nos dias atuais, e já com um grau bastante alto de institucionalização dos conselhos, seja pela sua prática controladora e fiscalizadora, seja pela concretização mesma de alguns direitos fundamentais, os conflitos, necessários ao aperfeiçoamento dos órgãos, se revestem de outro significado. O tema do momento se traduz, por exemplo, no poder que tem o CNJ, se apenas administrativo ou também judicial. O STF vem se pronunciando, ainda não de forma solidificada, mas com fortes acenos nesse sentido, na direção de que o CNJ não possui poder judicial, vale dizer, é órgão judicial, mas não jurisdicional, este que estaria afeto apenas aos juízes. Esse, pelo menos, é o teor que se pode extrair das decisões proferidas nos MS 26580 e 27148 e na ADI 3367. Sem embargo dessas decisões, o próprio CNJ, no artigo 106, do seu Regimento Interno, na redação original veiculada pela Resolução n. 67, de 03.03.2009, bem como na nova redação trazida pela Emenda Regimental n. 01, de 09.03.2010, dispôs que: “art. 106: As decisões judiciais que contrariarem as decisões do CNJ não produzirão efeitos em relação a estas, salvo se proferidas pelo Supremo Tribunal Federal”; na nova redação ficou assim: “art. 106: O CNJ determinará à autoridade recalcitrante, sob as cominações do disposto no artigo anterior, o imediato cumprimento de decisão ou ato seu, quando impugnado perante outro juízo que não o Supremo Tribunal Federal”. A Associação dos Magistrados Brasileiros –AMB ajuizou a ADI n. 4412 contra esses dispositivos invocando como norma parâmetro o devido processo legal que estaria sendo violado e a competência do STF que estaria sendo usurpada. A ação pende de julgamento e coloca ao STF a oportunidade de se pronunciar a respeito dos limites do poder exercido pelo CNJ. Prima facie me parece que o dispositivo pode ser inconstitucional e isso porque retira do órgão jurisdicional a força de sua função primordial que é a de julgar, sendo certo que, segundo a jurisprudência que começa a se consolidar no STF o CNJ é órgão judicial, mas não jurisdicional: como, nesse quadro e então, prevalecer uma decisão administrativa sobre uma judicial? Subvertendo-se postulado consagrado do monopólio da jurisdição? Além disso, é de se ressaltar que a exceção feita nas regras regimentais analisadas com relação às decisões do STF faz com que as decisões oriundas desse Tribunal sejam como que marcadas por um símbolo superdimensional, i.e., conferindo a elas uma força extraordinária e de exceção se comparada às outras demais decisões provenientes dos órgãos judiciais. Esse caráter é assente na teoria, contudo, se a pequeno e médio prazo os mecanismos pelos quais essa qualidade se manifesta produzem como consequência o desafogar de processos e sua própria lentidão, a longo prazo quase que extermina a função de julgar dos demais órgãos judiciais, tornando-se quase que mera peça decorativa, pois o Supremo tudo pode e em todas as matérias, o que, de sua vez, torna aquele Tribunal um grande, mal comparando, shopping center, local em que as famílias vão para fazer compras, ir ao cinema, comer e estacionar seus carros com alguma segurança. E isso não é papel institucional a ser desempenhado por uma Corte que se pretende Constitucional. É isso. Sapere Aude! Paulo Thadeu.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Língua co-oficial é inconstitucional?

O Municipio de Tacuru, em Mato Grosso do Sul, por meio da Lei n. 848, de 24 de maio de 2010, reconheceu como língua co-oficial o guarani, tendo em vista que naquela cidade e região residem muitos indígenas dessa mesma etnia. A lei, quase uma cópia da Lei n. 145, de 11 de dezembro de 2002, do Município de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, reconhece expressamente a língua portuguesa como sendo a oficial no Brasil e determina a prestação de serviços públicos básicos de atendimento na área de saúde nas duas línguas, bem assim em campanhas de prevenção de doenças e de tratamento, além de incentivar e apoiar o aprendizado e o uso da língua co-oficial nas escolas municipais e nos meios de comunicação, proibindo a discriminação de qualquer pessoas pelo uso da língua guarani. Essas iniciativas legislativas locais nas quais a população indígena seja significativa em termos de quantidade podem produzir valiosas reflexões a respeito do atual estágio de reconhecimento constitucional do multiculturalismo que marca a sociedade brasileira. Longe de se qualificar como a Constituição equatoriana, que positivou em suas normas formas alternativas de viver, a Constituição brasileira, ainda assim, positiva normas que permitem proposições legislativas tal qual faz exemplo a que vem de ser citada. As normas dos artigos 209, 215, 216 e 231, todas da Constituição Federal, parecem admitir uma interpretação que afirme a possibilidade de existência das diversas línguas indígenas ao lado do idioma oficial que é o português. Por certo que não se trata de eliminar ou mesmo fazer ruir a comunicação dos nacionais brasileiros com base na língua portuguesa, contudo, reconhecer, nos moldes em que traçadas na lei em referência, prestações de serviços públicos básicos àqueles que falam o guarani, de maneira co-oficial é realizar a dimensão objetiva dos direitos fundamentais. Duas problematizações interessantes emergem desse quadro. Uma delas se refere a que a lei em análise poderia ser inconstitucional porque feriria o disposto no caput do artigo 13, da Constituição Federal, pelo qual se preceitua que a língua portuguesa é a língua oficial do Brasil. Essa suposta inconstitucionalidade não existe se se interpretar a Constituição como um todo, pois que as normas antecitadas permitem, porque reconhecem expressamente, que as línguas indígenas sejam faladas e, portanto, co-oficializadas. Outro seria o caso se houvesse simplesmente a supressão do português como idioma oficial do país, o que não ocorre, tendo em vista que o artigo 1o da lei em comento dispõe expressamente que a língua portuguesa é a oficial do Brasil. Alie-se a tudo o que vem de ser escrito que essa co-oficialidade de línguas não é novidade no direito constitucional da sociedade mundial, pois que a Espanha admite, p.e.x, a existência, ao lado da língua oficial que é o espanhol, a catalã. Uma segunda problematização tem a ver com a decisão proferida pelo STF no HC n. 72391, no qual ficou assentado que a petição deveria ter sido escrita em português, e não em espanhol, como fora sido. Duas ordens de observações se impõem: a) a uma, a lei de que se trata não prescreve que ato processual seja formalizado em guarani; b) a duas que, de lado a lei analisada, a decisão proferida já agora parece um pouco desajustada do modelo constitucional e internacional de direitos humanos, pois que tanto a Constituição, quanto normas internacionais incorporadas ao ordenamento jurídico nacional, v.g., a Convenção n. 169, OIT, permitem que réus e testemunhas se expressem em sua língua materna, enquanto ao Estado incumbe providenciar a interpretação. O que é importante ressaltar é que o caso de que ora se trata demonstra a complexidade da sociedade brasileira, que tem de, ao mesmo tempo, dispensar tratamento às questões jurídicas de caráter ocidental e portanto envolvente e de caráter tradicional referente às sociedades que formam o país. No limite, permite que se faça uma rica e bastante peculiar reflexão e demonstra que o país pode resolver, por si mesmo, suas próprias demandas. É isso. Sapere Aude! Paulo Thadeu.