O direito mais importante

O direito mais importante

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Palestra por mim proferida no TRE/SP: Inclusão eleitoral e efetivação dos direitos políticos

http://youtu.be/QOdA5SJSQsY

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

PALESTRA NA UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO - CAMPO GRANDE/MS

















PALESTRA UCDB



Os direitos fundamentais na sociedade mundial e a emergência de um novo paradigma
















1. direitos fundamentais
Muito se fala e se escreve sobre direitos fundamentais. Pode-se mesmo afirmar que hoje vivemos um tempo em que quase todas as relações são fundamentalizadas. Fenômeno bastante recente, que há 20 anos não se fazia presente. Também aqui dá-se por compreendido o significado de um termo bastante complexo. Mais uma vez parece se manifestar o lugar-comum, a platitude com referência a um termo que, na minha compreensão, merece uma abordagem científica e, portanto, complexa.
Nessa linha, proponho dissecar o que vem a ser direito fundamental. Para Alexy, em um texto não muito discutido[1], Direitos fundamentais no Estado constitucional democrático, um direito humano pode ser fundamental se apresentar as seguintes marcas: a) universalidade; b) moralidade; c) preferencialidade; d) fundamentalidade; e) abstração.
Essas marcas fazem com que se impeça a inflação dos direitos fundamentais.














2. sociedade mundial
Por sociedade mundial se compreende o sistema social mundial, ou seja, a forma de reprodução da sociedade de todo o mundo[2], na qual os regionalismos não interferem de forma decisiva. Essa forma de observar a sociedade é de caráter ocidental, o que deixaria de fora da sociedade mundial aquelas sociedades que não fossem, ou que não reproduzissem os valores da sociedade ocidental, vale dizer, da sociedade pós-industrial e que positiva direitos fundamentais de liberdade e alguns de igualdade, isto é, sociedades com uma semântica própria, tais quais Japão e China: mas estas, também, não são capitalistas? A resposta positiva indica que, a despeito da existência de particularidades que possam informar as estruturas sociais de determinadas sociedades, elas também acabam por fazer parte da sociedade mundial.
A sociedade dita moderna é diferenciada funcionalmente, ou seja, é composta por sistemas sociais que têm uma função diferente de cada um: por exemplo, sistema jurídico, sistema político, sistema econômico, etc.
A sociedade brasileira parece se inserir nessa descrição, pois pode ser considerada como diferenciada funcionalmente, ainda que tenha um caminho a percorrer em direção a uma mais completa diferenciação funcional. Seus sistemas sociais, tanto quanto possível, se reproduzem com base em suas próprias estruturas.
Mas, há um aspecto que gostaria de ressaltar e que reputo relevante para a compreensão do tema: é a presença, no interior da sociedade mundial, que é diferenciada funcionalmente, de sociedades tradicionais, o que se encontra, em maior número, na América Latina e, especialmente, no Brasil. Falo, por óbvio, dos índios e dos quilombolas.
A presença dessas sociedades tradicionais no interior da sociedade brasileira diferenciada funcionalmente injeta uma enorme dose de complexidade na reflexão que deve ser feita sobre ou a partir do tema, sim, porque há diferença entre refletir sobre e refletir a partir, por exemplo, Adorno, em seu Minima Moralia, propôs-se a refletir a partir da vida lesada, pois que, na condição de judeu exilado, viveu essa realidade, é uma referência vivida.
Na minha maneira de observar o tema posso afirmar que escrevo a partir de uma realidade vivida da e na sociedade tradicional, mais especificamente, da sociedade indígena, e isso por conta da defesa constitucional dos direitos indígenas que fiz e faço na condição de procurador da república.
As sociedades tradicionais são autárquicas ou autônomas e mantêm uma relação heterárquica com a sociedade oficial ou ocidental, e não hierárquica, ou seja, encontram-se em pé de igualdade naquilo que diz com o reconhecimento de direitos. A assimetria nas relações de poder decorre da não concretização de direitos, o que é outra história, pois que eles já se encontram positivados na ordem jurídica.
No desenvolvimento das ideias, pode-se pensar em que a sociedade brasileira diferenciada funcionalmente, isto é, a sociedade ocidental, trata todos aqueles que não conseguem acessar seus sistemas parciais pela lógica inclusão/exclusão, e produz uma calamidade representada pela negligência. Essa observação vem acompanhada de um perverso evento que se denomina de inclusão tardia. De se notar, entretanto, que essa negligência, se referida aos índios, não significa que todos eles sejam negligenciados por uma exclusão, e isso porque não são todos os índios, sem embargo de séculos de contato com a sociedade envolvente, que querem acessar esses sistemas sociais, vale dizer, há sociedades indígenas que simplesmente querem reproduzir-se por operações baseadas não na diferenciação funcional, mas sim com base em estruturas tribais.
Essa abordagem sociológica encontra tradução na dogmático-jurídico-constitucional, cujo fundamento de validade são as normas dos artigos 208, 215, 216 e 231, as quais positivam o direito à autonomia de autorreprodução social, o que, no dizer do jurídico, significa proteger direitos culturais, formas de ser e de fazer, tradições, línguas e costumes, ou seja, a Constituição de 1988 permite afirmar que, por meio de suas normas, há o reconhecimento da cultura como elemento diferenciador de pessoas e que deve ser protegida. A cultura, sociologicamente, substitui, no século XX, a solidariedade do século XIX, que por sua vez substituiu a felicidade humana dos séculos XVII e XVIII.




























3. paradigma
A palavra paradigma é utilizada, a torto e a direito, pela teoria, mas sem a preocupação com o seu significado. Dá-se por compreendido um conceito de grande complexidade para a ciência. Talvez essa postura epistemológica seja adequada se se pensar em que a palavra fala por si, não havendo, portanto, necessidade de se esclarecer, de forma mais detida, o que ela significa. Esse argumento se relaciona ao coloquial lugar-comum ou, de forma mais sofisticada, platitude.
Todavia, se estamos a fazer uma abordagem científica ao tema proposto, então me parece imprescindível indicarmos o que entendemos por paradigma para que a comunicação possa se estabelecer entre palestrante e ouvintes.
Paradigma, assim, é, para Thomas Kuhn[3], uma matriz disciplinar[4]. Esta, de sua vez, se constitui basicamente de quatro elementos: a) generalização simbólica; b) compromissos coletivos com crenças; c) valores; d) o próprio paradigma ou exemplares.
A generalização simbólica é representada por fórmulas descritas pela lógica formal, por exemplo, f = ma[5]; compromissos coletivos com crenças, por exemplo, o calor é a energia cinética das partes constituintes dos corpos[6]; os valores propiciam aos especialistas em ciências naturais experimentar um sentimento de pertencimento a uma comunidade global[7]; e os exemplares, que são “as soluções concretas de problemas que os estudantes encontram desde o início de sua educação científica, seja nos laboratórios, exames ou no fim dos capítulos de manuais científicos ou mesmo nas publicações periódicas”[8].
Em um exercício de transposição desses argumentos ao direito, ou à ciência do direito, pode-se afirmar que, com relação à generalização simbólica, não se faz ela muito presente nessa área do conhecimento, com exceção da lógica formal exposta em livros correspondentes. Todavia, pode ela ser encontrada no já clássico livro de Robert Alexy, Teoria dos direitos fundamentais, no qual se lê, expressamente, e se percebe, nitidamente, esse tipo de generalização com o intuito de se conferir caráter científico à argumentação. Veja-se, nesse sentido, a descrição da lei de colisão entre princípios e as relações de precedência entre eles[9], da máxima da proporcionalidade[10], da ideia de sopesamento[11], etc.
No que diz com o compromisso com crenças parece ser o caso de se confiar em alguns dogmas que se encontram, ou não, ao menos no direito, positivados. Aqui se manifestam, ao lado das normas jurídicas, que são os dogmas do direito por excelência, critérios de resolução de conflito aparente de normas, especialmente aquele referente ao conflito entre norma constitucional e norma infraconstitucional, e também, por muito tempo, a atribuição de efeitos à declaração de inconstitucionalidade, se ex tunc ou ex nunc.
A perplexidade que pode ser produzida pelo que vem de ser escrito reside em que se a ciência do direito é constituída por dogmas, e sobre estes não há possibilidade de discussão, como então seria possível problematizar temas inerentes à matéria dogmática do Direito Constitucional?
A possibilidade de problematização, já apontada por REALE[12] e resumida em frase de rara felicidade, segundo a qual “o mesmo problematicismo, que cerca a nomogênese jurídica, lateja no bojo da regra jurídica positivada”, encontra justificativa na existência, no texto constitucional, de normas que veiculam princípios referentes a direitos fundamentais, princípios esses carregados com doses cavalares de valor.
Nesse quadro, a norma constitucional é dogma para os fins de ser tratada como ponto de partida de toda reflexão que se leve a cabo no processo de decisão ou adjudicação, mas que comporta, por sua própria estrutura, problematização. A só-existência desse tipo de norma é que permite, então, afirmar, não sem alguma cautela, que o ensino dos direitos fundamentais ocorre com a junção da dogmática e da própria zetética, uma não excluindo a outra, mas sim complementando uma a outra, ou, nas palavras mais adequadas de PAULINO, “... em sutil equilíbrio dinâmico”[13].
Em uma sociedade democrática os valores a serem compartilhados pelos membros da comunidade científico-jurídica, portanto, das ciências humanas, podem ser identificados com a organização do Estado e os direitos fundamentais, compromissos esses que, por certo, não bastam constar de normas positivadas, mas necessitam, antes, de um compromisso político de respeito a eles.
E por último, mas não menos importante, o paradigma em sentido estrito, também denominado, por KUHN, de exemplares, soluções concretas produzidas pelas decisões judiciais ou mesmo extrajudiciais e que podem ser encontradas, pelo estudante de direito, nos manuais e nas revistas especializadas, seja sob a forma de simples descrição, seja sob a forma de problematização, esta última que, no caso do Brasil, é mais difícil de ser encontrada, pois a decisão judicial é como que tomada como verdade absoluta a respeito do tema, o que pode ser fruto do espírito conciliador que se manifesta também no pesquisador.










4. conclusões
O que vem de ser exposto permite, sem prejuízo de outras, algumas conclusões. Indico, aqui, quatro delas: a) podemos pensar em que há, atualmente, alguns paradigmas referentes aos direitos fundamentais; b) o primeiro deles é, na teoria do direito, é o pós-positivismo a reaproximação do direito e da moral; c) o segundo deles é, na teoria do direito constitucional, o neoconstitucionalismo; d) o terceiro deles é, na teoria dos direitos fundamentais: d.1) primeiro o direito penal como protetor dos direitos fundamentais; d.2) segundo o surgimento dos direitos fundamentais de igualdade e de liberdade das diferenças (direito coletivo).
A complexidade da sociedade moderna permite pensar em que há não apenas um paradigma, mas sim vários a conviver e a orientar a produção da teoria e da prática jurídicas.
Pós-positivismo é o nome que se confere à teoria do direito que propõe a aproximação entre o direito e a moral, o que demonstra que a história desconhece a linha reta (PAZ), pois que essa postura epistemológica pode ser identificada com um afastamento do positivismo formal de Kelsen e a construção de uma teoria do positivismo legal inclusivo[14], no qual há a possibilidade de se interpretar a norma jurídica por meio dos argumentos de justiça, correção e princípios[15].
Neoconstitucionalismo é outra palavra bastante utilizada pela teoria, e significa, basicamente, a especificidade da interpretação constitucional, que se representa pelos tópicos: a) princípios versus normas; b) ponderação versus subsunção; c) Constituição versus independência do legislador; d) juízes versus liberdade do legislador[16].
A proteção dos direitos fundamentais pelo direito penal em nível nacional e internacional se dá por meio dos denominados mandados expressos de criminalização, positivados em normas constitucionais que determinam ao legislador tipificar como crimes condutas violadores desses direitos, conforme faz exemplo o disposto no artigo 5, incisos XLI, XLII e XLIII, da Constituição.
A igualdade e a liberdade das diferenças leva em conta a forma peculiar de viver das pessoas, que em geral é diferente da sociedade majoritária, enquadrando-se como titulares desses direitos tanto as minorias quanto os grupos vulneráveis. Tem como saudável efeito o surgimento de direitos coletivos, cujos titulares são os grupos sociais, v.g., direitos culturais.
Finalizo com uma passagem de Grande Sertão Veredas, de Guimarães Rosa, pois que aqui estamos a tratar de interpretações: pão ou pães é questão de opiniães.
Muito obrigado.




[1] In RDA, v. 217, jul/set 1999, p. 55-66.

[2] Segundo Luhmann: “'International', indeed, no longer refers to a relation between two (or more) nations but to the political and the economic problems of the global system”, Globalization or world society: how to conceive of modern society?, in International Review of Sociology, mar 97, v. 7, issue 1.
[3] A estrutura das revoluções científicas, Perspectiva, SP, 2012.
[4] “Disciplinar porque se refere a uma posse comum aos praticantes de uma disciplina particular; ‘matriz’ porque é composta de elementos ordenados de várias espécies, cada um deles exigindo uma determinação mais pormenorizada”, idem, p. 226.
[5] Idem, p. 229.
[6] Idem, p. 230.
[7] Idem, p. 231.
[8] Idem, p. 234.
[9] ALEXY, Robert, Teoria dos direitos fundamentais, Malheiros, SP, 2008, p. 94-103.
[10] Idem, p. 116-120.
[11] Idem, 163-165.
[12] REALE, Miguel, Ciência do direito e dogmática jurídica, in O direito como experiência, Saraiva, SP, 2010, p. 123-145 (140).
[13] PAULINO, Gustavo Smizmaul, O ensino do direito em crise, Sergio Antonio Fabris, Porto Alegre, 2008, p. 149.
[14] “On this view, which we have called inclusive legal positivism, moral values and principles count among the possible grounds that a legal system might accept for determining the existence and content of valid laws”, Inclusive legal positivism, W. J. Waluchow, Clarendon Press, Oxford, 1994, p. 82.
[15] ALEXY, Robert, Conceito e validade do direito, Martins Fontes, SP, 2011.
[16] Tudo conforme POZZOLO, Susanna, Neoconstitucionalismo y especificidad de la interpretación constitucional, Doxa, 21-II, 1998, p. 339-353.