O direito mais importante

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segunda-feira, 1 de março de 2010

História dos direitos fundamentais

Na preparação da aula referente à história dos direitos fundamentais constata-se que, em geral, a teoria constitucional centra sua atenção na descrição das principais revoluções mundiais e dos textos constitucionais brasileiros, no primeiro exemplo sem que haja uma abordagem crítica em relação aos eventos ocorridos, e no segundo exemplo sem que haja a análise dos direitos positivados junto à descrição das estruturas sociais então vigentes. Essa forma de explicação, ainda que traga consigo mesma valor aferível pela presença de informações importantes a respeito do tema, peca por não contextualizar de maneira mais pormenorizada os fatos. Como forte exemplo tem-se a quase que ausência total de análise do liberalismo com a escravidão. No Brasil esse par quase sempre foi analisado como sendo incompatível um termo com o outro, de modo que a Constituição de 1824, tendo positivado alguns direitos individuais, foi produzida num tempo histórico cujo sistema econômico assentava-se sobre a escravidão, o que deu origem ao termo "as ideias fora do lugar", cunhado por Roberto Schwarz, no célebre livro Ao Vencedor as Batatas (Duas Cidades, SP, 1988), ideia essa que não ficou livre de refutações, tanto por parte de Maria Sylvia de Carvalho Franco, em As ideias estão no lugar (Cadernos de Debate 1 - História do Brasil, Brasiliense, 1976), e Jacob Gorender, em entrevista à Revista Estudos Avançados v. 16, n. 46, set./dez. 2002, intitulada Liberalismo e escravidão. A perplexidade toma corpo se se pensar em que, supostamente, não haveria incompatibilidade entre liberalismo e escravidão: como pensar nesse sentido quando se trata de refletir a respeito de uma teoria que colocava como central a liberdade do indivíduo? Domenico Losurdo, em Contra-história do liberalismo, desconstrói, um pouco, a ideia de que a categoria central do liberalismo era a liberdade, para apontar como ponto principal a propriedade, justificando-se, daí, que Locke, Jefferson e outros eméritos liberais, ao mesmo tempo em que afirmavam a liberdade como base do liberalismo, defenderem a escravidão e serem donos de escravos. A Constituição americana, de seu turno, e pelo uso de eufemismos, positiva a ordem escravocrata, o que veio a mudar apenas com a ratificação da XIV Emenda em 1868, quase cem anos após a promulgação do documento da Filadélfia e depois da cruenta Guerra Civil.
Por certo que não se trata, aqui, de combater determinada ideologia, se liberal, se socialista. Quer-se, apenas, chamar a atenção para duas questões: a) a primeira se relaciona a que o ensino do direito constitucional pode lançar mão de análises levadas a cabo em outras áreas do conhecimento; b) sendo aceita a premissa anterior, a mesma análise pode ser feita levando-se em consideração as estruturas sociais vigentes à época histórica sobre a qual recai a reflexão. Ganham todos: os professores, os alunos e a formação da própria teoria constitucional. É isso. Sapere aude! Paulo Thadeu.

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