O direito mais importante

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sexta-feira, 19 de março de 2010

A semana e os direitos fundamentais

A semana e os direitos fundamentais


Na semana que se encerra houve três fatos relacionados aos direitos fundamentais dignos de nota. São eles: a reportagem da Folha de São Paulo sobre homossexualidade e pena de morte em Uganda, o recuo do Governo com relação a alguns pontos do Plano Nacional de Direitos Humanos e o julgamento, pelo STF, de recurso envolvendo o direito à saúde.

O primeiro fato demonstra que a luta pelo reconhecimento de direitos, na sociedade mundial, deve ser perene, e não intermitente, e isso porque Uganda quer punir, até com pena de morte, quem é homossexual e só pelo fato de sê-lo -nunca é demais lembrar que nos Estados Unidos, até 2003, sodomia era crime, mesmo se realizada por pessoas maiores e capazes e em ambiente privado, o que foi declarado inconstitucional pela Suprema Corte, ver Lawrence v. Texas-. Há muito que o homossexualismo foi banido da lista de doenças, além do que não se trata mais de se considerar uma opção da pessoa e ao que parece nem mesmo ser uma questão genética, pois a adequada abordagem, com relação a esse tipo de novo direito, também denominado de orientação sexual, é a de que a homossexualidade é uma característica de uma pessoa, a pessoa apenas é homossexual, pouco importando se ela nasce com essa orientação ou se optou por ela. Na base da veemente crítica a esse exercício e expressão da sexualidade, que se constitui em direito fundamental, ainda que baseado no princípio da igualdade, vem a naturalização das relações, pois que a Bíblia condena esse tipo de relação por ser antinatural. Seria o caso, mesmo, de se argumentar pela inconstitucionalidade do dispositivo da Bíblia que preceitua nesse sentido, pois o reconhecimento de direitos fundamentais, a teor do que prescreve a norma do art. 5o, § 2o, da CF, pode se dar pela decorrência do regime e dos princípios constitucionais, tais quais, a dignidade, a liberdade e a igualdade. Essa é a reflexão que deve ser feita, ao menos no sistema jurídico, diferenciado funcionalmente do religioso. Absurda, portanto, a proposta legislativa em trâmite em Uganda, pois vai de encontro a aquisições evolutivas da modernidade, exemplificadas, neste caso, pela positivação de direitos fundamentais.

Sobre o recuo do Governo com referência a três pontos do Programa Nacional de Direitos Humanos, penso que é reflexo de uma visão de mundo com a qual não compactuo, por exemplo, a exibição de símbolos religiosos em prédios públicos, assim como de pressões indevidas de setores da sociedade que ainda tentam controlar a política, esquecendo-se, por vezes, do Iluminismo pelo qual passou a sociedade, por exemplo, a descriminalização do aborto e a mediação de conflitos agrários entre as partes. Percebam que a minha contrariedade se refere ao recuo representado pela simples retirada, do Plano, desses pontos que num momento primeiro o Governo se propôs a apoiar. Assim é que, sou contra a exibição de símbolo religioso, qualquer que seja ele, em prédio público, pois a opção por tal ou qual símbolo de tal ou qual religião fere o princípio da laicidade estatal, desde que se pense na preferência por símbolos católicos derivada da força da tradição dessa religião no país e na mácula causada à ideia de acomodação do exercício do direito de liberdade religiosa em vista da laicidade do Estado. Sou a favor de um amplo debate na sociedade a respeito da descriminalização do aborto porque compreendo essa questão como sendo, a uma referente ao direito geral de liberdade da mulher de dispor do próprio corpo, e a duas como sendo atinente à saúde pública. Sou favorável a que se crie uma forma de mediação de conflitos agrários entre as partes antes da decisão ou, se depois dela, antes de seu cumprimento, e que objetive a reintegrar a posse da parte requerente, e penso assim porque a estrutura fundiária brasileira perpetua uma estrutura social perversa de classe, não conseguindo, por exemplo, fazer frente às transformações pelas quais a cidade passou.

O terceiro fato diz com a decisão, pelo STF, de um agravo regimental que trata do direito à saúde. Verdadeiro tormento seja para a teoria, seja para a práxis judicial, essa questão se configura no calcanhar de Aquiles da adjudicação do direito social à saúde. Na decomposição das normas do artigo 196, da Constituição Federal, ficou assentado que: a) não se trata de norma programática, pois assim classificá-la significa negar a força normativa da Constituição (conceito de Hesse); b) trata-se, pois, de norma que cria relação obrigacional entre indivíduo e Estado; c) há a solidariedade dos entes federativos na prestação do direito à saúde, conforme artigo 23, II, da Constituição Federal; d) há a necessidade de se criar política pública de saúde; e) a aplicação imediata dos direitos fundamentais sociais; f) o problema, no Brasil, não é de intervenção do Judiciário nas outras esferas de Governo, pois na maioria dos casos a política pública já existe; g) se a prestação do direito não estiver contemplada entre as políticas do SUS, há três possibilidades: g.1.) uma omissão legislativa ou administrativa ; g.2.) uma decisão administrativa de não fornecê-la (o SUS fornece tratamento alternativo, mas não adequado a determinado paciente ou o SUS não tem nenhum tratamento específico para determinada patologia); g.3.) uma vedação legal a sua dispensação (medicamento sem registro na ANVISA é de fornecimento proibido). Resta destacar que no próprio voto do Min. Gilmar Mendes ficou afirmado que a decisão a ser proferida nesse tipo de caso jurídico vai depender do suporte fático nele manifestado. No meu modo de ver essa decisão sinalizou numa boa direção para a efetivação do direito social à saúde no Brasil. É isso. Sapere aude! Paulo Thadeu.

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