O direito mais importante

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terça-feira, 3 de agosto de 2010

O direito eleitoral e a liberdade de expressão

A legislação (Resolução n. 23.191/TSE) e a prática do direito eleitoral (Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 26.721/TSE-propaganda com crítica negativa), neste ano de eleições, têm demonstrado a criação de importante tensão entre uma práxis restritiva a direito fundamental e o direito fundamental restringido, qual seja, a liberdade de expressão. Dentre outras restrições, chama a atenção aquela que estaria a proibir propaganda representada pela crítica negativa, aí incluídos, por extensão, programas de humor que possam ridicularizar os candidatos. A intenção, aqui, é contribuir para o debate público norteado pelo livre mercado das ideias e com essa finalidade deve-se analisar se o direito de crítica negativa se insere no âmbito de proteção do direito fundamental de liberdade de expressão.
O direito fundamental de liberdade de expressão vem positivado na norma do artigo 5o, IV, da Constituição Federal, segundo a qual é livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato, norma essa que deve ser, compulsoriamente, interpretada com o disposto no artigo 5o, IX, do mesmo texto, pelo qual é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. Por certo que não há direito fundamental de índole absoluta, tendo em vista a possibilidade de restrição a qualquer direito fundamental prevista na Constituição Federal e no ordenamento infraconstitucional.
As mensagens objeto da restrição legal podem ser ou não de natureza eleitoral: no primeiro caso quando se referirem à vida política do candidato, no segundo quando se referirem à sua vida privada. Neste passo, é suficiente argumentar que pessoas públicas possuem uma esfera de sua privacidade diminuída em relação às pessoas, por assim dizer, não públicas. Daí, por si só, a justificativa a que a própria pessoa sofra as consequências dessa exposição pública. É o preço que se paga por se viver numa sociedade democrática.
Essas consequências devem tanto mais ser suportadas pela pessoa pública quanto mais se pense em que é essa mesma exposição pública que reforça o nome do candidato na esfera política. De mais a mais, frases de nítido conteúdo ridicularizador não são atentatórias a qualquer aspecto da vida do candidato, e podem, inclusive, entrar para o anedotário político do local [aqui é importante destacar que a utilização do chiste como forma de expressar o pensamento pode ser pensada como liberação pacífica da própria agressividade, o que torna a convivência social muito mais saudável que a liberação por meios violentos, cfr. Joel Schwartz, Freud and Freedom of Speech, The American Political Science Review, v. 80, n. 4 (Dec. 1986), pp. 1227-1248].
Nesse particular aspecto, bem é de se ver que mesmo no caso de veiculação de mensagens que ridicularizem uma pessoa pública, a liberdade de expressão deve ser respeitada, e isso porque, a uma o que se está a fazer é emitir juízos de valor ou de desvalor com relação à esfera privada/pública da pessoa, o que, só por si, descaracteriza a manifestação de eventual interesse público, e a duas porque, se os conteúdos comunicados são de ordem a provocar o riso, sob forma de chiste, não são eles aptos a convencer quem quer que seja de que são verdadeiros, tamanho o absurdo do próprio conteúdo transmitido [ver, nesse sentido, o famoso julgamento da Suprema Corte norte-americana, Hustler Magazine v. Falwell, 485 US 46, 1988].
Indo-se mais além, é de se destacar que a crítica pode ser produzida em um contexto eleitoral, pois que se está a viver período em que as regulares eleições serão realizadas. Aqui é importante analisar se a crítica tem algum potencial para desconstruir a candidatura proposta: em caso negativo, vale o direito fundamental em sua plenitude. Sem embargo de não terem potencial de desconstrução da candidatura do representante, as mensagens podem ser tidas como de caráter político, como uma espécie de cobrança, por parte de cidadãos, a uma pessoa que se propõe a representá-los.
No contexto particular da política a liberdade de expressão é, sim, absoluta [nesse sentido, ver Alexander Meiklejohn, The first amendment is an absolute, in Vikram David Amar (ed.), The first amendment, Prometheus Books, New York, 2009, pp. 125-140], desde que se pense, por exemplo, nas factíveis situações expressas no direito de voto, no qual o cidadão se encontra apenas com a sua consciência no momento de votar, e na imunidade material dos parlamentares, ambas expressas nas normas dos artigos 14, “caput”, e 53, da Constituição Federal. E causa espécie, portanto, que haja legislação e interpretação restritivas exatamente no campo da política no qual deveria haver a mais ampla possibilidade de se fazer discursos, seja porque esse direito signifique autorrealização dos indivíduos, seja porque signifique participação na tomada de decisões essenciais para as suas vidas [cfr. Thomas I. Emerson, The System of Freedom of Expression, Vintage Books, New York, 1970]. O mesmo raciocínio se aplica às situações em que há o exercício do direito de crítica, ainda que seja ela em tom inapropriado ou em tom de picardia.
É que a tal categoria da crítica negativa é exemplo cabal de redundância que cheira à censura, pois que toda crítica traz consigo um potencial de desacordo, ainda que moral, que vai de encontro à possibilidade de se qualificar como sendo crítica positiva. Portanto, se não existe a positiva, não pode existir o seu contrário. Há, sim, apenas a crítica, que deve ser protegida, com muito maior peso na esfera política, porque é nesse campo que se efetiva a própria democracia, a manifestação e o debate das ideias, e estas, ainda que sejam ruins, devem ser combatidas não com a pura e simples proibição de sua veiculação, mas sim com a liberdade de se emitir ideias mais adequadas. É isso. Sapere Aude! Paulo Thadeu.

Um comentário:

  1. Brilhante o seu texto, Paulo. Concordo plenamente. Na minha humilde opinião, a Resolução ao tentar proteger o direito dos candidatos acabou por ofender a liberdade de expressão e o mais democrático debate, fundamental neste período eleitoral. Ao se colocar como candidato, o cidadão automaticamente se coloca em condição de se expor muito mais, como você bem disse. O próprio cotidiano americano mostra a diferente e madura realidade que vivenciam: lá (como já citado por você nos julgados), a sátira é permitida e é feita amplamente aos candidatos que, algumas vezes, chegam até mesmo a participar de tais sátiras (os mais inteligentes). Enfim, os candidatos que seguem a linha do TSE me parecem muito mais com problemas de auto-estima do que preocupados com o seu direito à privaciade, pois poderiam sim se aproveitar da intensa exposição que as sátiras os colocam.

    Já faz 15 dias que não vejo atualizações por aqui. Espero que não tenha abandonado o blog!

    Um grande abraço!

    José Pissini Neto.

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