O direito mais importante

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terça-feira, 1 de junho de 2010

Língua co-oficial é inconstitucional?

O Municipio de Tacuru, em Mato Grosso do Sul, por meio da Lei n. 848, de 24 de maio de 2010, reconheceu como língua co-oficial o guarani, tendo em vista que naquela cidade e região residem muitos indígenas dessa mesma etnia. A lei, quase uma cópia da Lei n. 145, de 11 de dezembro de 2002, do Município de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, reconhece expressamente a língua portuguesa como sendo a oficial no Brasil e determina a prestação de serviços públicos básicos de atendimento na área de saúde nas duas línguas, bem assim em campanhas de prevenção de doenças e de tratamento, além de incentivar e apoiar o aprendizado e o uso da língua co-oficial nas escolas municipais e nos meios de comunicação, proibindo a discriminação de qualquer pessoas pelo uso da língua guarani. Essas iniciativas legislativas locais nas quais a população indígena seja significativa em termos de quantidade podem produzir valiosas reflexões a respeito do atual estágio de reconhecimento constitucional do multiculturalismo que marca a sociedade brasileira. Longe de se qualificar como a Constituição equatoriana, que positivou em suas normas formas alternativas de viver, a Constituição brasileira, ainda assim, positiva normas que permitem proposições legislativas tal qual faz exemplo a que vem de ser citada. As normas dos artigos 209, 215, 216 e 231, todas da Constituição Federal, parecem admitir uma interpretação que afirme a possibilidade de existência das diversas línguas indígenas ao lado do idioma oficial que é o português. Por certo que não se trata de eliminar ou mesmo fazer ruir a comunicação dos nacionais brasileiros com base na língua portuguesa, contudo, reconhecer, nos moldes em que traçadas na lei em referência, prestações de serviços públicos básicos àqueles que falam o guarani, de maneira co-oficial é realizar a dimensão objetiva dos direitos fundamentais. Duas problematizações interessantes emergem desse quadro. Uma delas se refere a que a lei em análise poderia ser inconstitucional porque feriria o disposto no caput do artigo 13, da Constituição Federal, pelo qual se preceitua que a língua portuguesa é a língua oficial do Brasil. Essa suposta inconstitucionalidade não existe se se interpretar a Constituição como um todo, pois que as normas antecitadas permitem, porque reconhecem expressamente, que as línguas indígenas sejam faladas e, portanto, co-oficializadas. Outro seria o caso se houvesse simplesmente a supressão do português como idioma oficial do país, o que não ocorre, tendo em vista que o artigo 1o da lei em comento dispõe expressamente que a língua portuguesa é a oficial do Brasil. Alie-se a tudo o que vem de ser escrito que essa co-oficialidade de línguas não é novidade no direito constitucional da sociedade mundial, pois que a Espanha admite, p.e.x, a existência, ao lado da língua oficial que é o espanhol, a catalã. Uma segunda problematização tem a ver com a decisão proferida pelo STF no HC n. 72391, no qual ficou assentado que a petição deveria ter sido escrita em português, e não em espanhol, como fora sido. Duas ordens de observações se impõem: a) a uma, a lei de que se trata não prescreve que ato processual seja formalizado em guarani; b) a duas que, de lado a lei analisada, a decisão proferida já agora parece um pouco desajustada do modelo constitucional e internacional de direitos humanos, pois que tanto a Constituição, quanto normas internacionais incorporadas ao ordenamento jurídico nacional, v.g., a Convenção n. 169, OIT, permitem que réus e testemunhas se expressem em sua língua materna, enquanto ao Estado incumbe providenciar a interpretação. O que é importante ressaltar é que o caso de que ora se trata demonstra a complexidade da sociedade brasileira, que tem de, ao mesmo tempo, dispensar tratamento às questões jurídicas de caráter ocidental e portanto envolvente e de caráter tradicional referente às sociedades que formam o país. No limite, permite que se faça uma rica e bastante peculiar reflexão e demonstra que o país pode resolver, por si mesmo, suas próprias demandas. É isso. Sapere Aude! Paulo Thadeu.

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