Tratar da titularidade dos direitos fundamentais implica refletir sobre os direitos dos animais, i.e., se estes podem ser titulares de direitos fundamentais. Em geral a titularidade de todos os direitos fundamentais encontrados no ordenamento constitucional, supralegal e infraconstitucional é reconhecida às pessoas físicas e a de alguns direitos fundamentais às pessoas jurídicas de direito privado e de direito público. Pensar nos animais como titulares de direitos fundamentais é ter de, necessariamente, admitir que o ser humano possa intervir na sociedade animal para que se preserve a vida de cada um deles, algo como impedir que um cervo seja morto por um leão, de vez que a sociedade animal é marcada é power based, enquanto a humana é rights based. Uma possibilidade de arranjo dessa ideia é aquela referente ao raciocínio de que, assim como às pessoas jurídicas apenas alguns direitos fundamentais são reconhecidos, também aos animais apenas alguns desses direitos seriam reconhecidos, v.g., direito a não serem extintos e a não sofrerem maus tratos. Contudo, aqui também há uma dificuldade, que é expressa pela noção de que a pessoa jurídica, mesmo sendo uma ficção, é composta por seres humanos e, portanto, manifesta vontade. Contra esse argumento poderia ser oposto o de que os animais, ainda que não possam, ao menos de forma articulada, manifestar vontade, poderiam ser considerados à semelhança dos absolutamente incapazes, e daí poder-se-ia pensar numa suposta tutela dos animais pelo ser humano, tudo para proteger os tutelados. Nessa relação vertical entre ser humano e animal, o primeiro ocuparia o lugar do Estado e o segundo o lugar do indivíduo, na mais comum relação vertical entre indivíduo e Estado. Todas essas reflexões são marcadas por uma forte argúcia. A dificuldade maior parece residir no próprio texto constitucional, que em seu artigo 225, § 1, VII, dispõe que incumbe ao Poder Público, para assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam animais a crueldade. Percebe-se dessa redação que a visão ainda é antropocêntrica, apesar de a norma constitucional não preceituar a incumbência também à sociedade, colocando o ser humano no centro do universo em sua relação com o meio ambiente natural, além do que a proteção dos animais se realiza, nessa dicção constitucional, pela proteção imediata do mesmo meio ambiente, e só mediatamente dos próprios animais, o que parece ter sido a tônica no julgamento do RE 153531, STF, o da farra do boi. No limite pode-se afirmar que a Constituição positiva uma forma oficial de viver e que é a ocidental, pois a relação é a do ser humano sobre o meio ambiente. A questão é bastante complexa e envolve vários campos do saber e produz consequências em outros direitos fundamentais, tais quais o direito à saúde e a possibilidade de experimentação científica em animais e o direito de liberdade religiosa e o sacrifício de animais em rituais religiosos (ver, por exemplo, o caso da religião Santería nos EUA e o caso do açougueiro turco de Essen na Alemanha) -no Brasil há, no STF, um recurso extraordinário de n. 494601 interposto contra decisão proferida pelo TJRS e que considerou constitucional, por maioria, a Lei Estadual n. 12.131/04, que acrescentou parágrafo único ao artigo 2, da Lei n. 11.195/03, nos seguintes termos: Não se enquadra nessa vedação o livre exercício dos cultos e liturgias das religiões de matriz africana. As vedações são de caráter geral e proíbem condutas ofensivas aos animais. Apesar de complexa, a questão vem sendo cada vez mais tratada pela sociedade mundial e debatida em sua própria esfera pública, tudo a indicar um crescimento da regulamentação protetora e, portanto, restritiva dos abusos, dos direitos dos animais. É isso. Sapere Aude! Paulo Thadeu.
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